28.8.08

Pedras e vidraças.

Quinta-feira, 28 de agosto de 2008, 11h40
Por que anencefalia entra novamente em pauta?
Dr. Frei Antônio Moser
Assessor da CNBB para assuntos de bioética
Há dois anos os debates relacionados com o que se denominou de anencefalia eram tantos e tão acesos, que pareciam traduzir o problema mais grave e mais urgente do Brasil. Melhor dito, criou-se uma sensação de que quase todos os "conceptos" eram anencéfalos e que se impunha uma medida urgente, urgentíssima para resolver o problema: autorizar o abortamento.

Depois, os debates relacionados com o uso de embriões congelados para fins terapêuticos e as sucessivas tentativas de liberar, pura e simplesmente, o abortamento colocou a questão da anencefalia no esquecimento. Agora, diante de um iminente pronunciamento do Supremo Tribunal Federal, a questão volta à tona com toda a força. Por isto mesmo, urge recolocar as verdadeiras questões.

Quando falamos em "anencefalia" não apenas nos encontramos diante de uma palavra difícil, como também diante de uma palavra que se presta a equívocos.
O equívoco da palavra fica evidenciado quando sugere que os fetos portadores de uma má formação no cérebro não teriam cérebro. Na realidade o que lhes falta é o fechamento do tubo neural. A palavra certa seria meroanencefalia.

Mas os maiores equívocos não se relacionam com a palavra, e sim com a maneira como vem sendo apresentada esta realidade. Embora devamos reconhecer que nos encontramos diante de um drama, é preciso logo observar que, ao contrário do que certos debates sugerem, o número de casos é relativamente pequeno. Uma estatística realizada pela Universidade de Minas Gerais cobrindo a década de 1990-2000 assinala que em 18.807 partos, constataram-se apenas 11 casos que nasceram vivos e 5 natimortos.

Uma segunda observação se faz necessária: considerando as estatísticas mundiais, nosso índice é alto, o que sugere que os casos de meroanencefalia, remetem para fatores múltiplos, inclusive ambientais. Entre estes fatores o mais importante é aquele que é mais facilmente contornável: ausência de ácido fólico.

Em terceiro lugar não podemos nos esquecer o sofrimento da mãe e dos parentes mais próximos. Eles precisam de todo o apoio possível, a nível médico, psicológico, religioso...

Um eventual abortamento só iria aumentar esse sofrimento. Por isso mesmo a pergunta é: "Por que a questão volta a entrar em pauta?" Não seria pelo interesse de aproveitar células e órgãos? Não seria para abrir as portas a todo e qualquer tipo de abortamento? Tudo isso dá o que pensar.

27.8.08

Ponto.

Mais um ponto

"O homem nasceu para aprender, aprender tanto quanto a vida lhe permita".

Guimarães Rosa

Por ora, uns poderiam dissertar bastantes linhas, esgotar todo labor cognitivo para tentar aproximar a ciência da arte; já outros dissertariam mais períodos e pensamentos acerca dessas duas partes universalmente singulares. Ou então, ambos serem irresponsavelmente imediatistas e atribuírem seus signifivados semânticos-culturais num rápido processo intelectual, desprezando qualquer ínfima reflexão. Basta a condição sine qua non humana para o agir científico e a percepção artística reagirem em um mesmo sistema antropológico. Lembrar as conjecturas de Descartes, ou as descrições filosóficas greco-romanas sobre simetria, medidas e modelos, ajudam-nos ir ao encontro da capacidade inata de o ser humano pensar e reproduzir, por figuras ou por letras, suas emoções e seus sentidos.

Como a orientação específica dos átomos, de moléculas em moléculas, cada olhos de visão, cada ponto-de-vista, revela-se numa magistral expressão solitária de sentimentos pessoais. Não tem jeito: a relação da ciência com a arte é, ao mesmo tempo, nenhuma e totalmente afim. Confuso? Não. Constituem definições dinamicamente conceituáveis, de acordo com a conjuntura, com o tempo, com o credo, com o gênero, com a raça e com diversos parâmetros instáveis ao sabor do caos cosmológico. Nota-se, dessa forma, que desenhando a linha que perpassa cada âmbito particular, tem-se o círculo da verdade: em que o centro pode ser comum, mas o raio depende da insconstante demografia em questão. Dois mais dois, além de implicar quatro, resultam também números quase infinitos de possibilidades de criar um ser humano – a matemática nem sempre é tão exata; parece mais uma mágica. No meio da ciência e da arte, há tropeços: a arte de aprender e a arte de ensinar – a pedra filosofal do caminho da existência.

Ponto: Entre a questão de ensinar ou de aprender, na vida, a melhor opção é viver. Parece ser redundância o último período grafado, mas representa o quão é inócuo posicionar-se diante das quase normas de condutas. O dinamismo dos fatos ou das circunstâncias faz com que esse tropeço etimológico seja um pilar em constantes transformações de pensamentos e de abordagens do processo de transmissão de conhecimento. Irão existir inúmeros defensores a dizerem que no ensinar há um dom artístico, quase mágico; enquanto, um não-menor número firmará posição na suma competência sócio-biológica de poder aprender sob a égide do determinismo natural. Cada ponto-de-vista especializa-se em se justificar, de preferência, em contraposição ao que se deseja combater; e, a partir daí, polarizam-se. Bem, de versões a versões, vão construindo-se verdades e mais verdades sobre o cimento dos fatos. E a arte? Essa está na maneira livre e espontânea de se associar a um dos pólos. Do nada, pode-se fazer o mundo – isso é arte.

Até o não-fazer poderá ser relevante no pleno processo de ensinar. No entanto, há aqueles que se dedicam à construção ativa do sujeito ávido pelo conteúdo a ser ensinado. Diversas teorias baseadas em bastantes modelos eficazes e em outros nem tanto, aliam-se ou confrontam-se com a sútil finalidade de transmitir as informações referenciais. Modelo de sala de aula em ambiente fechado, com normas e uniformes, giz e professores perante a assembléia disposta a sua frente, mostra-se vigente e ainda é eficaz nos dias de hoje. Pouco importa se um gosta ou não entende, a preocupação está na média: determina-se o quanto deverá saber de tudo que fora exposto. A apótema do dodecágono inscrito num certo círculo é tão fundamental quanto o conceito e as utilidades de uma função de primeiro grau. E a arte? Está na abstração da utilidade; na recompensa do final de ano, quando se é aprovado para cursar o próximo ciclo de aprendizado. A arte é a forma de como se entende; se vê e se adquire. Por outro lado, há os que acreditam na aquisição natural do aprendizado, respeitando assim, o tempo particular de cada desenvolvimento cognitivo. Para esses, o indivíduo é uma peça acabada. Será uma questão de horas para o sujeito perceber o seu mundo. Ensinar passa pelas mais energéticas atividades humanas: como dizer a um russo que um bom samba é dois pra lá, dois pra cá? Por mímica? Não sei. A vida imita a arte, mas o oposto...

É assim, dois pra cá, e as pernas soviéticas não acompanham com a mesma naturalidade. É a harmonia, o rítmo, o compasso e o enredo. São muitas variáveis e limitantes, para que a adequada forma de se tentar ensinar torne-se realmente eficiente. A maneira com a qual o russo apreenderá a mímica está intimamente associada à sua acumulação cultural: sua genética e seu ambiente social. Enfim, depende de sua arte de agir diante dos fatos e dos acontecimentos. Imaginar-se – É rima, é parte, é arte, é cada ponto-de-vista.

Na outra ponta do mister vínculo humano, há os tijolos do grande muro da ciência – a capacidade inata de aprender. Por diversas vias, vêm as informações: pelos olhos, pelos ouvidos, pelas mãos e até pelas narinas e pela boca. Aprender é sentir. E a arte? É o sentimento livre. Não se pode aprender sem sentir emoções; elas permitem o mergulho profundo nas águas do saber. A ciência já demonstrou por alguns ensaios de neurociência que pelo impacto das ações, pelo sentimento, a memória tão necessária para o aprendizado cristaliza-se na mente. É fácil testar tal assertiva, se imaginar, que, além dos cinco sentidos, a capacidade de associação dos fatos ou dos eventos permite resgatar aquilo uma vez já apreendido; seja pela leitura, pela escrita ou pela vivência. Se viver é sentir e aprender é sentir; nem ouse concluir o silogismo. Pronto. Aprender é isso. Uma lembrança; um conhecimento. Os detalhes, só quando interessam.

A uma flor, água, luz e terra. A uma criança, estímulo, atenção e carinho. Pode-se, dessa forma, parecer uma rasa simplificação; no entanto, é o método mais eficaz para levar ao ser em formação as ferramentas fundamentais para o seu construtivismo intelectual. Terão alguns com fortes discordâncias a respeito do método citado. Constrói pra cá, socializa-se pra lá, impõe-se de um jeito ou deixa acontecer, pois tudo que se precisa já vem pronto. Não importa. Nunca se deve esquecer, portanto, da finalidade: transmissão de forma mais agradável a informação. Se é útil, só o tempo e a oportunidade dirão. Cada ser é um universo singular, o qual caberão a ele necessidades especiais, com a atenção que merece. Enquanto o estímulo, vem da dinâmica instável do afluxo de conteúdos referenciais ou informais, capazes de prover sempre o crescimento pessoal; já o carinho, é a ponta mais complexa do processo. Com toda relevância dos sentidos, da lembrança, das emoções dos acontecimentos ou do impacto dos fatos, a maneira de se abordar, mostrando-se próximo e atento às dificuldades particulares, com todo carinho à disposição, é fundamental. Inicia-se lá pelos primórdios da comunicação, em que os pais, ou quem se dedica à criança, preocupam-se com o olhar, com o toque, com, de novo, a atenção; visto que são esses primorosos momentos que cada indivíduo sentir-se-á protegido, seguro de si e apto para aprender e logo ensinar; é como se fosse um repositório de segurança sendo completado, e, quando mais cheio, mais se consegue transmitir; quando se menos, por pouco tempo. Segurança permite ter força. Fornece poder. E dela se emana a faculdade do aprendizado ativo, aquele que, por interesse próprio, liberta os seres umbrais da terrível sombra da ignorância. Sem vontade, sem luz.

Até um computador pode ensinar, devido a sua alta capacidade de armazenagem de informações, fazendo a interface humana aprender; pois, pela arte dos sentidos, é que o lúcido entendimento é possível. Do contrário, é a ausência de substanciais indefinições da natureza humana, tais como: sentir, ter vontade, consciência; que faz do computador uma criatura estática, limitada com seu raciocínio binário. O que adianta garantir o pleno acesso às notícias e às informações, seja através da memória, seja da conexão entre computadores; se o que permite o rico espírito dinâmico e ávido pelo desenvolvimento pessoal é a ímpar função de sermos eternos na arte: tudo tem a sua duração; tudo se acaba; menos a vista de cada ponto, menos o ponto de cada vista, menos o ponto-de-vista de toda obra de arte. A arte expressa-se.

Pode-se, com isso, perceber que a arte permeia ambos os pilares. É a forma autônoma de estar vivo, além de possuir todas as funcionalidades vitais. Respirar é um mecanismo fisiológico; mas viver de maneira intensa e notável é algo unicamente humano. Toda e qualquer explicação acerca da arte de ensinar será insuficiente para se deixar inteligível a arte de aprender. São mais do que dois em um; mais do que mão e luva; mais do que importante ou prioriários; são artes. São expressões de cada vivência passada por um único ponto; ponto de vista na circunferência dos fatos e dos acontecimentos.