22.12.08

Ressignificação

Há um aperto, força constrictora de amargura

que ninguém sabe de onde vem

e nem como surge

uma força muda, sem igual intensidade

com choros, com sofrimentos

singulares



a tal força torce, retorce por dentro

rangendo dentes, sardonicamente,

impura de emoções menores, baixa

aos nossos desafetos

21.12.08

Aos vencedores, os sapatos.

Num rápido e desprovido posicionamento acerca dos sapatos em direção a um chefe-de-estado, poderá corresponder legitimamente esse ato heróico à justiça. Porém, há de ter cuidado com as consequências. Se a revolta e a manifestação contra o subjugo imperialista, conforme atestam, foram traduzidas de forma violenta, lançando um objeto, com intuito de acertar, ao desafeto; o ato nada mais foi que o exemplo ratificado da vingança - sentimento até espontâneo e legítimo. Ora, pagar, com a mesma moeda o preço alto da dominação, é dar um tiro no próprio pé, já que mostra a todos o despreparo de se tratar assuntos de maneira politicamente correta, democrática. Numa vez, acerta-se o sapato; na outra, como não aceitar o genocídio dos homens-bomba? Tudo pela causa? Pelas mortes de inocentes? Pelos choros dos órfãos? A arma dos fortes é a mente perspicaz.

A simbologia de um sapato

Por Lejeune Mirhan

Al Zaide é jovem mesmo. Tem apenas 29 anos. Foi, ainda sob o governo de Saddam Hussein, presidente de uma entidade estudantil. Segundo a emissora Al Jazeera, é membro do partido Comunista Iraquiano. Tem muitos irmãos e alguns deles mortos em combate na resistência contra a ocupação do Iraque por tropas estrangeiras desde 2003. Zaide é jornalista da emissora de TV Al Baghdadiya (cuja central fica no Cairo). Todas as reportagens da TV que ele faz na cidade de Bagdá ele conclui, dizendo, "da Bagdá ocupada". A própria emissora que o emprega exigiu a sua imediata libertação, assim como o Sindicato dos Jornalistas do Iraque.

Al Zaide virou instantaneamente um herói nacional. E usou a sua arma mais potente, tanto física como simbólica: seus sapatos de sola de borracha pesados. Foi ficando cada vez mais irritado com a entrevista coletiva que Bush vinha dando, com suas mentiras habituais, ao lado do primeiro Ministro fantoche do Iraque, Nuri Al Maliki. Num determinado momento, decidiu arremessar os seus dois sapatos contra Bush. A catatonia dos presentes e mesmo da segurança presidencial foi tamanha, que ele conseguiu inclusive tempo para atirar o segundo sapato.

A frase que ele proferiu, gravada ao vivo por todas as emissoras presentes foi: "É o seu beijo de despedida do povo iraquiano, seu cachorro. Isso é pelas viúvas, órfãos e pelos que foram mortos no Iraque". E não precisava dizer mais nada. Al Zaide mostrava-se ao mundo como o vingador dos mais de 200 mil iraquianos mortos, representava o sentimento de uma nação destruída, desmontada, aviltada, vendida, entregue à sanha imperialista e com quase toda a sua infra-estrutura
destruída e vendida ao setor privado (doadas, na verdade).

Sua fama foi instantânea. Foi saudado no mundo inteiro. Passeatas saíram às ruas para exigir a sua imediata libertação. Circulou a informação de que um
empresário saudita estaria oferecendo dez milhões de dólares por um dos sapatos que for am arremessados contra Bush. A foto de Al Zaide não saia de todas as TVs árabes e os jornais americanos publicaram o sapato "voador" passando rente à cabeça de Bush. Claro, os americanos procuraram minimizar o fato, dizendo que o mesmo não tinha importância alguma e que o jornalista não agiu em nome de nenhuma organização e não expressava a vontade do povo. Pura balela. Só se falava do ato de bravura praticado por um árabe contra o chefe do império mais odiado da história.

Os policiais que o prenderam, o espancaram brutalmente. Seu irmão, Maitham Al Zaide, afirma que diversas de suas costelas foram quebradas e seu olho foi atingido por coronhadas de fuzil. Continua preso sem que nenhuma acusação lhe tenha sido feita e que nenhum comunicado tivesse sido enviado formalmente à justiça por sua detenção. Fala-se que poderia pegar de sete até quinze anos de cadeia por ter tentado agredir chefe de estado estrangeiro em visita ao Iraque.

Imediatamente, uma rede de advogados formou-se para defendê-lo e exigir a sua libertação. A imprensa noticiou mais de cem advogados dispostos a prestar seus serviços gratuitamente para que ele possa ser libertado. O chefe da defesa de Saddam Hussein, Dr. Jalil Al Duleimi, será o provável defensor central de Al Zaide. Ainda continua sem nenhum contato tanto com seus familiares, como amigos e advogados, num claro desrespeito às tais normas mínimas de direitos humanos que os Estados Unidos tanto, e hipocritamente, pregam pelo mundo afora sem respeitá-las em lugar nenhum onde têm hegemonia.

* Artigo originalmente publicado no site http://www.vermelho.org.br/. Clique aqui e leia na íntegra o texto, incluindo a segunda parte, A simbologia do sapato


Lejeune Mirhan, sociólogo da Fundação Unesp, arabista e professor. Presidente do Sindicato dos Sociólogos, membro da Academia de Altos Estudos Ibero-árabe de Lisboa e da International Sociological Association.