1.2.12

Pedras,

depois de tantas caminhadas, fazem-se agora os caminhos. Caminhos puros ou coletivos. Cada um com o sorriso e a força motivadora do dia. Bastariam anos de intemperismo; mas apenas de alguns segundos para aproximar e mantermos unidos. Não poderia ser melhor adjetivo do que esse - pedra - pois o que define a verdadeira amizade é a essência, apesar das nuanças; da transformação do árido desconhecimento para a mais fértil das terras. Serenidade nas escolhas; Sabedoria nas decisões; Celebrações nas conquistas e Saúde a todos. Fortíssimo abraço e até mais!

25.10.09

Quais dentre vós, pedras?

Eva

Ceva
coeva
itapeva
longeva
medieva
napeva
primeva
rubieva
seva
treva
eleva!

O verbo fez-se eva:
releva
alqueva
neva
entreva
Adão sem Eva.

Leva a treva
nem ceva; nem seva
que Eva?

Mulheres, uní-vos!

4.10.09

Um boi vê os homens


Tão delicados (mais que um arbusto) e correm e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos de alguma coisa. Certamente falta-lhes não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres e graves, por vezes.
Ah, espantosamente graves, até sinistros.
Coitados, dir-se-ia que não escutam nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço.
E ficam tristes e no rasto da tristeza chegam à crueldade.
Toda a expressão deles mora nos olhos –
e perde-se a um simples baixar de cílios, a uma sombra.
Nada nos pêlos, nos extremos de inconcebível fragilidade, e como neles há pouca montanha, e que secura e que reentrâncias e que impossibilidade de se organizarem em formas calmas, permanentes e necessárias.
Têm, talvez, certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem
perdoar a agitação incômoda e o translúcido vazio interior que os torna tão pobres e carecidos de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós), sons que se despedaçam e tombam no campo
como pedras aflitas e queimam a erva e a água,
e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.

Carlos Drummond de Andrade

14.9.09

Dê-me as suas pedras...para tacá-las de volta

Um, dois, três...CEM! São cem publicações para todo e qualquer gosto. De tanto atrito entre as pedras, hoje podemos colher neste solo fértil, neste sedimento de ideias convergentes para a construção de um mundo melhor. Que seja lugar-comum. Que sejam todos comuns e sem valores. Somos, pela força, Pedras; somos, pela precisão, projéteis; somos, pela arte, engajados.

Nenhum centenário foi fácil. Somos até agora 100! Cem motivos para ler; cem razões para erodirmos em solo pátrio fértil; cem desejos para virmos do pó surgirem cidadãos dignos nos semáforos, debaixo dos viadutos e nas esquinas mendigando.

Chã, pá e acém. Cem! Com textos e textículos.

"É pau, é pedra, é o fim do caminho..."

Fábio Ascenção

É bom. É muito bom depois de uma crise, de uma queda, sairmos por cima. Ilesos não. Fortalecidos pelos embates desproporcionais em suas medidas. O peso da culpa nunca foi o mesmo da justiça.

Ontem, dia 13 de setembro de 2009, um famoso ator de novela se expôs no Fantástico para tentar mostrar ao mundo o tamanho de sua queda, o estrago de sua crise. Falou como quem treinou diante o espelho, mas convenceu pela emoção dos seus olhos tão azuis. Consciente de que o tempo não volta e de que o conserto não devolve o brilho original transmite a mensagem de que ainda é tempo de contruir, de reconstruir. Os caminhos são muitos para construir; mas basta um movimento para acabar qualquer um.

Os olhos podem ser azuis, mas o olhar, terrível.

Que o Fábio possa se encontrar naquele que se construiu.

Fábio Assunção não morreu; Fábio Ascendeu!

23.8.09

Pedra polida

"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."

João Guimarães Rosa

19.8.09

Coração de pedra

Acerca do marco inicial, do espanto de onde e como viemos, o zero tem o seu valor máximo. Ele é o nada, que resulta tudo. A ausência mais completa que um sentimento humano pode perceber. Do zero, uma pedra; do zero, mais zeros.

Para isso, para o zero e para todas as pedras, lanço uma homenagem à pedra angular de nossas vidas; à pedra sobre todas as pedras: à nossa mãe.

Do nada, do indefinido, do pingo que seja alguém, surge algo. Pedras no caminho? Mais caminho.

Pedra, caminho, pedra



O princípio não sei
complemento o ambíguo
quem, o quê, quando

Uma gota pode ser muito
tudo pode ser pouco
pedra, pingo, ponto

Um choro pode ser nada
rir pode ser muito
água, pingo, ponte

Uma palavra pode ser nunca
gestos podem ser sempre
fome, pingo, ponta

Um pai pode ser alguém
filhos podem ser ninguém
verdade, pingo, pinta

Mãe, mãe é para sempre toda
amor que não tem igual
amizade, pingo, ponte

Algo pode ser indefinido
sujeito pode ser indeterminado
um pingo pinta

quem?

26.5.09

Outros ecos

Abaixo, seguem as respostas dos vencedores do desafio: O que é ciência ?
1º O que é ciência?

Ciência é a oficina do desassossego1. Eu explico: a sobrevivência da espécie humana é fruto da curiosidade e do desassossego. Nossa espécie sobreviveu muito tempo sem a ciência, mas não sem o desassossego. O desassossego é o motriz que nos leva a tentar entender a natureza e suas regras, nos induz a conjecturar e teorizar sobre as diferentes formas que percebemos a vida. Seja para o bem ou para o mal, afinal, somos humanos.
Ciência é o desassossego aliado à formulação da hipótese, a experimentação, a controles profiláticos de engodos, a coleta de dados, a alegria da descoberta, a dor das frustrações, ao labor da interpretação que finda na quimera de crítica-medo-coragem, tão peculiar aos cientistas, novos ou velhos no momento de divulgar suas observações.
A ciência prolongou a expectativa e qualidade de vida da espécie humana, agora temos tempo de sobra para continuarmos “desassossegadamente” a aproveitar a ciência e seu método na aventura de entender e melhorar universo em que vivemos, afinal, somos humanos.

1. O uso da palavra desassossego é culpa da obra essencial de Fernando Pessoa - Livro Do Desassossego. Editora. Assírio & Alvin, Lisboa. 2006. Renato Fernandes de Paulo

Doutorando do Lab. de Química Fisiológica da Contração Muscular – IbqM
2º O que é Ciência?

A Ciência deveria ser entendida como a arte de se buscar o entendimento da natureza e do cosmos; o caminho pelo qual o ser humano busca as respostas mais básicas, porém mais cruciais de sua existência, as quais vem sendo feitas desde o início dos tempos, como: de onde vim? O que sou? Para onde vou?

Mas por quê considerar a Ciência uma arte? Deve-se ter em mente que é preciso uma grande dose de imaginação para idealizar, por exemplo, um veículo que anda por debaixo d’água ou mesmo no espaço. E muito antes da invenção do submarino ou da nave espacial, Julio Verne idealizou estes tipos de veículos em suas estórias fantásticas, equipamentos que a Ciência só pôde tornar realidade muitos e muitos anos depois. Nessa mesma linha de raciocínio, a concepção de uma teoria ou hipótese científica requer não só experimentação exaustiva, mas muita criatividade por parte do cientista para vislumbrar o que não se pode ver ou tocar, para conjeturar sobre o novo e para conseguir enxergar o mundo através de um novo olhar.

E é a busca incessante pelo entendimento dessa enorme complexidade que é o mundo em que vivemos, bem como o cosmos, que faz com que o homem se eleve a um patamar superior ao dos demais animais, por ser a única espécie capaz de se ater a tais questionamentos. Indagações essas que, inicialmente, tinham profunda relação com o domínio espiritual, mas que agora são explicadas de maneira dissociada de dogmas ou crenças religiosos. Talvez seja exatamente por este viés menos atrelado à religião que faz com que muitos leigos até acreditem que o cientista tente brincar de ser Deus. Contudo, se essas mesmas pessoas compreendessem o que de fato é a Ciência, é possível que elas pudessem encará-la de outra maneira: como a ferramenta que o homem concebeu para entender a obra Dele.

Raphael do Carmo Valente, PhD.
Lab. de Imunologia Tumoral
IBqM

2º (o que é ciência?)

Quando eu tinha ali pelos meus dez anos, lembro de estar em uma fazenda com minha família quando meu irmão, que devia ter uns seis ou sete, veio falar comigo, puxando a minha camisa. “Ô, olha só o que eu descobri”. E aí levou eu e minha mãe até os fundos de um galpão, de onde um fio de água meio malcheiroso escorria. Orgulhoso, ele disse: “essa é a água do banheiro”. E pra demonstrar, foi até o banheiro do galpão, jogou um pedaço de papel higiênico no vaso sanitário, deu a descarga, voltou para os fundos e mostrou uns pedaços de papel saindo com a água.
Minha mãe imediatamente entrou no modo “orgulho materno” e saiu pelos quatro cantos da fazenda comentando sobre a descoberta científica do meu irmão. Usando essa palavra mesmo, “científica”. E por que não, afinal? Ele indubitavelmente tinha usado o que normalmente se entende por método científico: observação da água saindo do galpão e do seu cheiro, hipótese de que ela viesse do banheiro, planejamento do experimento utilizando o papel higiênico e teste experimental da sua hipótese.
Seria o que o meu irmão tinha feito de fato ciência? Tenho a impressão de que muita gente diria que sim. E inclusive de que vários cientistas estariam de acordo com a idéia. Até porque a noção do método científico como algo natural e quase inerente à experimentação humana lhes soaria prazerosa, como uma confirmação tácita da “naturalidade” da sua própria maneira de trabalhar. Mas será que esticar a definição de ciência pra incluir o meu irmão de seis anos não levaria a algumas contradições?
Consideremos um bebê que chora pra chamar a atenção da mãe, por exemplo. Certamente ele deve ter chorado pela primeira vez por puro instinto, em resposta a uma agrura qualquer de sua condição de bebê. E certamente a mãe deve ter acudido correndo a consolá-lo nessa primeira vez. Com o tempo, é praticamente certo que a partir dessa observação inicial e das que se seguirão, o bebê antes mesmo de aprender a falar será capaz de montar um modelo mental que associa o choro com a vinda da mãe. E é quase certo que um dia, mesmo que a dor ou a fome não seja tão forte, ele haverá de testá-lo forçando o choro e constatando que a mãe vem. Hipótese comprovada. Mas será que o que o bebê faz é ciência?
E levando a definição um pouco mais longe, se ciência é construir modelos a partir da observação e testá-los experimentando, não estaria o nosso cérebro fazendo ciência o tempo todo sem que sequer nos apercebamos? Afinal, toda a informação que nos chega do mundo a qualquer dado momento, em última análise, são um punhado de ondas luminosas, algumas vibrações sonoras, o cheiro de algumas partículas suspensas no ar e a pressão do que está em contato com o nosso corpo. E a partir dessa informação sensorial bruta e limitada, somos capazes de construir o mundo em que vivemos, com coisas, pessoas, terra e céu. Que no fim das contas é apenas um modelo teórico pra explicar os dados sensoriais que nos chegam: mas um que passamos a vida inteira a construir e testar ininterruptamente em nossa consciência.
Então se a ciência está no método, tenho a impressão de que eu seria forçado a concluir que todos nós fazemos ciência o tempo inteiro, sem cessar. O que é um conceito tão fascinante quanto operacionalmente inútil: afinal, se tudo que o ser humano faz é ciência, a palavra acaba perdendo o seu valor de definir alguma coisa, e se torna um termo vazio.
Assim, talvez um conceito de ciência mais operacional envolva ir além do método. Talvez ciência envolva aplicar o raciocínio científico para questões compartilhadas, de maneira a produzir conhecimento cuja relevância vá além de nossas próprias pessoas. E provavelmente envolva comunicar de alguma maneira o que se descobre: o que o meu irmão já fazia, diga-se de passagem, puxando a minha camisa e dizendo “olha só”.
De fato, é provável que acreditar na necessidade de questões compartilhadas construa um conceito de ciência mais útil do que olhar apenas para o método. Ainda assim, no entanto, eu não chego a me convencer totalmente que ele me agrade mais do que o conceito que incluía o meu irmão, o bebê, e o cérebro em tempo integral. Porque, útil ou não, é inegável que existe algo de sedutor em pensar que fazer ciência é simplesmente uma conseqüência inevitável de estar vivo. E que não existe nada mais inerentemente humano do que observar o mundo e encontrar padrões, explicações e modelos que dêem sentido pra existência, como fazemos desde o berço.
E se os que se dizem cientistas fazem algo mais do que isso, é meramente porque formalizam esse trabalho, abordando questões coletivas e tornando seus modelos mais universais e acessíveis aos outros. Mas no fundo, em termos de método, ser cientista não é muito mais do que fazer o que a gente sempre fez desde criança, só que como trabalho. Talvez por isso é que pareça tão bonito.

Olavo B. Amaral IBqM

3º O que é ciência?
A ciência é a ânsia incansável e infinita pelo conhecimento, fazendo uso da razão e de metodologias experimentais para encontrar respostas infindáveis. É uma forma que encontramos para entendermos o universo ao qual vivemos, porém, como disse Einstein, só conseguimos enxergar o rabo do leão.

É o amor incondicional pelo desconhecido. É o prazer que alimenta a mente. É o calor que nos conforta nos dias frios e tempestuosos. É olhar o mundo com os olhos de criança, sendo a mais importante pergunta o por quê.

É o impossível se tornando possível aos olhos da física. É a biologia sendo vista como uma cura para doenças que afetam os seres vivos. É a química desvendando as propriedades e as estruturas das moléculas. É a matemática, junto com as suas fórmulas e equações, favorecendo o avanço tecnológico científico.

Ciência é razão, é vida e é conhecimento.

Gislaine Curty Ferreira
Programa Jovens Talentos
Lab. de Bioenergética
IBqM




Elisangela da Silva Melo UFRJ - Instituto de Bioquimica Médica Prédio do CCS - Bloco E - Sala 38 Cidade Universitaria - Ilha do Fundão CEP: 21.941-590 - Rio de Janeiro -RJ Telefax: 21 2270-1635

15.5.09

O Eco de uma pedra

O que é Ciência?




(...)E quando, ao cabo do último milênio,
A humanidade vai pesar seu gênio
Encontra o mundo, que ela encheu, vazio!
Soneto O fim das coisas de Augusto dos Anjos.



Por que o céu é azul?

Por que o sol é quente?

É tão difícil conceituar Ciência quanto responder essas perguntas ao seu filho de tenra idade. Por livros e por meandros metodológicos, chegar à sua plenitude faz-nos cada vez mais parecidos com nossos descendentes mais próximos. Por livros, dispõe-se de tempo e de labor cognitivo, a fim de buscar e rebuscar uma resposta que poderia apresentar-se de maneira simples. Os ponteiros avançam, a fome invade quase imperceptível e os pensamentos voam em desencontros construtivos de uma idéia vazia. Como responder? Matéria atrai matéria e perguntas surgem espontaneamente sem cessar em ordem inversa à distância e direta pela vontade de ser, de continuar existindo.

Dividir para melhor compreender. Isso foi por muito tempo um posicionamento, estático e insuficiente, acerca do processo de aprendizado. Num ato-reflexo, de organizar formas e conteúdos, chegava-se ao desfecho, por muitas vezes, incompleto de sentido. Introdução, objetivo, métodos, resultados, discussão e conclusão podem hoje representar ainda o pensamento dominante, tentando pôr ordem na imprevisibilidade do próximo segundo. Assim, caminha a Ciência, em passos pequenos numa cidade de cegos e de surdos.

Seu filho pergunta o que não vê e você responde o que também não ouve. Simples como esses sujeitos indeterminados. Sujeitos de duas vozes: a que sai e que não entende; e a dentro, que não sai pela indiferença idiossincrática. Crescem adultos de vasta biblioteca; crescem crianças sem respostas.

Tudo que poderá servir de definição sobre o tema não irá satisfazer sua inteira acepção. Ciência vive. Ciência sente. Ciência sopra como a mais suave brisa no afã de querer sempre mais.

11.4.09

Vivendo de epiderme

À superficialidade, riso frouxo. Rimas e versos pretensiosamente ricos, com medidas precisas, obedecem a lógica do eco fácil, da rima pobre e do conteúdo vazio.

Sobre o tema, há muito que discutir. Nunca foi simples posicionar-se diante de fenômenos, de eventos excepcionais que causam tanto estranheza quanto dúvidas. Além da legitimidade, das implicações técnicas da medicina, do caráter penal primário do estupro, da ordem moral; tem ainda o senso comum, natural, de cada ser humano a respeito do acontecimento. O unanimidade, por isso, é impulsiva. No entanto, a justiça é contemplativa.

Se por um lado, na ordem de trânsito, os maiores protegem os menores; da mesma maneira, a ética cristã baseia-se: O estuprador é fácil identificar e, com isso, os crimes e as penas são rapidamente enquadrados e setenciadas. A sociedade facilmente compadece-se com a menina. E o menor de todos? O que ele merece? Quem o nota? De outro modo, não é porque me xingaram ou humilharam dentro de meu carro, que me dão o direito de matar quem o fez. Aí, têm-se três vértices bem definidos: O agressor, a vítima e o veículo. O primeiro com sua pena; o veículo com seus possíveis danos e a vítima? Nessa atmosfera, a avaliação de danos é mal definida; porém, os limites individuais são facilmente percebidos. A cada um, com o seu propósito.

Com tantos avanços na Medicina, Psicologia, Pedagogia, com tentativas frustras ou não de prolongar a vida no respirador, por que não tentar salvar dois seres humanos: uma vítima e um inocente? Onde há vida; há esperança.

Agora, aos risos:


Cordel dos excomungados
Miguezim de Princesa*

I

Peço à musa do improviso
Que me dê inspiração,
Ciência e sabedoria,
Inteligência e razão,
Peço que Deus que me proteja
Para falar de uma igreja
Que comete aberração.

II

Pelas fogueiras que arderam
No tempo da Inquisição,
Pelas mulheres queimadas
Sem apelo ou compaixão,
Pensava que o Vaticano
Tinha mudado de plano,
Abolido a excomunhão.

III

Mas o bispo Dom José,
Um homem conservador,
Tratou com impiedade
A vítima de um estuprador,
Massacrada e abusada,
Sofrida e violentada,
Sem futuro e sem amor.

IV

Depois que houve o estupro,
A menina engravidou.
Ela só tem nove anos,
A Justiça autorizou
Que a criança abortasse
Antes que a vida brotasse
Um fruto do desamor.

V

O aborto, já previsto
Na nossa legislação,
Teve o apoio declarado
Do ministro Temporão,
Que é médico bom e zeloso,
E mostrou ser corajoso
Ao enfrentar a questão.

VI

Além de excomungar
O ministro Temporão,
Dom José excomungou
Da menina, sem razão,
A mãe, a vó e a tia
E se brincar puniria
Até a quarta geração.

VII

É esquisito que a igreja,
Que tanto prega o perdão,
Resolva excomungar médicos
Que cumpriram sua missão
E num beco sem saída
Livraram uma pobre vida
Do fel da desilusão.

VIII

Mas o mundo está virado
E cheio de desatinos:
Missa virou presepada,
Tem dança até do pepino,
Padre que usa bermuda,
Deixando mulher buchuda
E bolindo com os meninos.

IX

Milhões morrendo de Aids:
É grande a devastação,
Mas a igreja acha bom
Furunfar sem proteção
E o padre prega na missa
Que camisinha na lingüiça
É uma coisa do Cão.

X

E esta quem me contou
Foi Lima do Camarão:
Dom José excomungou
A equipe de plantão,
A família da menina
E o ministro Temporão,
Mas para o estuprador,
Que por certo perdoou,
O arcebispo reservou
A vaga de sacristão.

(*) Poeta popular, Miguezim de Princesa é paraibano e está radicado em Brasília.

http://recantodasletras.uol.com.br/cordel/1480133