11.4.09

Vivendo de epiderme

À superficialidade, riso frouxo. Rimas e versos pretensiosamente ricos, com medidas precisas, obedecem a lógica do eco fácil, da rima pobre e do conteúdo vazio.

Sobre o tema, há muito que discutir. Nunca foi simples posicionar-se diante de fenômenos, de eventos excepcionais que causam tanto estranheza quanto dúvidas. Além da legitimidade, das implicações técnicas da medicina, do caráter penal primário do estupro, da ordem moral; tem ainda o senso comum, natural, de cada ser humano a respeito do acontecimento. O unanimidade, por isso, é impulsiva. No entanto, a justiça é contemplativa.

Se por um lado, na ordem de trânsito, os maiores protegem os menores; da mesma maneira, a ética cristã baseia-se: O estuprador é fácil identificar e, com isso, os crimes e as penas são rapidamente enquadrados e setenciadas. A sociedade facilmente compadece-se com a menina. E o menor de todos? O que ele merece? Quem o nota? De outro modo, não é porque me xingaram ou humilharam dentro de meu carro, que me dão o direito de matar quem o fez. Aí, têm-se três vértices bem definidos: O agressor, a vítima e o veículo. O primeiro com sua pena; o veículo com seus possíveis danos e a vítima? Nessa atmosfera, a avaliação de danos é mal definida; porém, os limites individuais são facilmente percebidos. A cada um, com o seu propósito.

Com tantos avanços na Medicina, Psicologia, Pedagogia, com tentativas frustras ou não de prolongar a vida no respirador, por que não tentar salvar dois seres humanos: uma vítima e um inocente? Onde há vida; há esperança.

Agora, aos risos:


Cordel dos excomungados
Miguezim de Princesa*

I

Peço à musa do improviso
Que me dê inspiração,
Ciência e sabedoria,
Inteligência e razão,
Peço que Deus que me proteja
Para falar de uma igreja
Que comete aberração.

II

Pelas fogueiras que arderam
No tempo da Inquisição,
Pelas mulheres queimadas
Sem apelo ou compaixão,
Pensava que o Vaticano
Tinha mudado de plano,
Abolido a excomunhão.

III

Mas o bispo Dom José,
Um homem conservador,
Tratou com impiedade
A vítima de um estuprador,
Massacrada e abusada,
Sofrida e violentada,
Sem futuro e sem amor.

IV

Depois que houve o estupro,
A menina engravidou.
Ela só tem nove anos,
A Justiça autorizou
Que a criança abortasse
Antes que a vida brotasse
Um fruto do desamor.

V

O aborto, já previsto
Na nossa legislação,
Teve o apoio declarado
Do ministro Temporão,
Que é médico bom e zeloso,
E mostrou ser corajoso
Ao enfrentar a questão.

VI

Além de excomungar
O ministro Temporão,
Dom José excomungou
Da menina, sem razão,
A mãe, a vó e a tia
E se brincar puniria
Até a quarta geração.

VII

É esquisito que a igreja,
Que tanto prega o perdão,
Resolva excomungar médicos
Que cumpriram sua missão
E num beco sem saída
Livraram uma pobre vida
Do fel da desilusão.

VIII

Mas o mundo está virado
E cheio de desatinos:
Missa virou presepada,
Tem dança até do pepino,
Padre que usa bermuda,
Deixando mulher buchuda
E bolindo com os meninos.

IX

Milhões morrendo de Aids:
É grande a devastação,
Mas a igreja acha bom
Furunfar sem proteção
E o padre prega na missa
Que camisinha na lingüiça
É uma coisa do Cão.

X

E esta quem me contou
Foi Lima do Camarão:
Dom José excomungou
A equipe de plantão,
A família da menina
E o ministro Temporão,
Mas para o estuprador,
Que por certo perdoou,
O arcebispo reservou
A vaga de sacristão.

(*) Poeta popular, Miguezim de Princesa é paraibano e está radicado em Brasília.

http://recantodasletras.uol.com.br/cordel/1480133