25.10.09

Quais dentre vós, pedras?

Eva

Ceva
coeva
itapeva
longeva
medieva
napeva
primeva
rubieva
seva
treva
eleva!

O verbo fez-se eva:
releva
alqueva
neva
entreva
Adão sem Eva.

Leva a treva
nem ceva; nem seva
que Eva?

Mulheres, uní-vos!

4.10.09

Um boi vê os homens


Tão delicados (mais que um arbusto) e correm e correm de um para o outro lado, sempre esquecidos de alguma coisa. Certamente falta-lhes não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres e graves, por vezes.
Ah, espantosamente graves, até sinistros.
Coitados, dir-se-ia que não escutam nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço.
E ficam tristes e no rasto da tristeza chegam à crueldade.
Toda a expressão deles mora nos olhos –
e perde-se a um simples baixar de cílios, a uma sombra.
Nada nos pêlos, nos extremos de inconcebível fragilidade, e como neles há pouca montanha, e que secura e que reentrâncias e que impossibilidade de se organizarem em formas calmas, permanentes e necessárias.
Têm, talvez, certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem
perdoar a agitação incômoda e o translúcido vazio interior que os torna tão pobres e carecidos de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós), sons que se despedaçam e tombam no campo
como pedras aflitas e queimam a erva e a água,
e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.

Carlos Drummond de Andrade

14.9.09

Dê-me as suas pedras...para tacá-las de volta

Um, dois, três...CEM! São cem publicações para todo e qualquer gosto. De tanto atrito entre as pedras, hoje podemos colher neste solo fértil, neste sedimento de ideias convergentes para a construção de um mundo melhor. Que seja lugar-comum. Que sejam todos comuns e sem valores. Somos, pela força, Pedras; somos, pela precisão, projéteis; somos, pela arte, engajados.

Nenhum centenário foi fácil. Somos até agora 100! Cem motivos para ler; cem razões para erodirmos em solo pátrio fértil; cem desejos para virmos do pó surgirem cidadãos dignos nos semáforos, debaixo dos viadutos e nas esquinas mendigando.

Chã, pá e acém. Cem! Com textos e textículos.

"É pau, é pedra, é o fim do caminho..."

Fábio Ascenção

É bom. É muito bom depois de uma crise, de uma queda, sairmos por cima. Ilesos não. Fortalecidos pelos embates desproporcionais em suas medidas. O peso da culpa nunca foi o mesmo da justiça.

Ontem, dia 13 de setembro de 2009, um famoso ator de novela se expôs no Fantástico para tentar mostrar ao mundo o tamanho de sua queda, o estrago de sua crise. Falou como quem treinou diante o espelho, mas convenceu pela emoção dos seus olhos tão azuis. Consciente de que o tempo não volta e de que o conserto não devolve o brilho original transmite a mensagem de que ainda é tempo de contruir, de reconstruir. Os caminhos são muitos para construir; mas basta um movimento para acabar qualquer um.

Os olhos podem ser azuis, mas o olhar, terrível.

Que o Fábio possa se encontrar naquele que se construiu.

Fábio Assunção não morreu; Fábio Ascendeu!

23.8.09

Pedra polida

"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens."

João Guimarães Rosa

19.8.09

Coração de pedra

Acerca do marco inicial, do espanto de onde e como viemos, o zero tem o seu valor máximo. Ele é o nada, que resulta tudo. A ausência mais completa que um sentimento humano pode perceber. Do zero, uma pedra; do zero, mais zeros.

Para isso, para o zero e para todas as pedras, lanço uma homenagem à pedra angular de nossas vidas; à pedra sobre todas as pedras: à nossa mãe.

Do nada, do indefinido, do pingo que seja alguém, surge algo. Pedras no caminho? Mais caminho.

Pedra, caminho, pedra



O princípio não sei
complemento o ambíguo
quem, o quê, quando

Uma gota pode ser muito
tudo pode ser pouco
pedra, pingo, ponto

Um choro pode ser nada
rir pode ser muito
água, pingo, ponte

Uma palavra pode ser nunca
gestos podem ser sempre
fome, pingo, ponta

Um pai pode ser alguém
filhos podem ser ninguém
verdade, pingo, pinta

Mãe, mãe é para sempre toda
amor que não tem igual
amizade, pingo, ponte

Algo pode ser indefinido
sujeito pode ser indeterminado
um pingo pinta

quem?

26.5.09

Outros ecos

Abaixo, seguem as respostas dos vencedores do desafio: O que é ciência ?
1º O que é ciência?

Ciência é a oficina do desassossego1. Eu explico: a sobrevivência da espécie humana é fruto da curiosidade e do desassossego. Nossa espécie sobreviveu muito tempo sem a ciência, mas não sem o desassossego. O desassossego é o motriz que nos leva a tentar entender a natureza e suas regras, nos induz a conjecturar e teorizar sobre as diferentes formas que percebemos a vida. Seja para o bem ou para o mal, afinal, somos humanos.
Ciência é o desassossego aliado à formulação da hipótese, a experimentação, a controles profiláticos de engodos, a coleta de dados, a alegria da descoberta, a dor das frustrações, ao labor da interpretação que finda na quimera de crítica-medo-coragem, tão peculiar aos cientistas, novos ou velhos no momento de divulgar suas observações.
A ciência prolongou a expectativa e qualidade de vida da espécie humana, agora temos tempo de sobra para continuarmos “desassossegadamente” a aproveitar a ciência e seu método na aventura de entender e melhorar universo em que vivemos, afinal, somos humanos.

1. O uso da palavra desassossego é culpa da obra essencial de Fernando Pessoa - Livro Do Desassossego. Editora. Assírio & Alvin, Lisboa. 2006. Renato Fernandes de Paulo

Doutorando do Lab. de Química Fisiológica da Contração Muscular – IbqM
2º O que é Ciência?

A Ciência deveria ser entendida como a arte de se buscar o entendimento da natureza e do cosmos; o caminho pelo qual o ser humano busca as respostas mais básicas, porém mais cruciais de sua existência, as quais vem sendo feitas desde o início dos tempos, como: de onde vim? O que sou? Para onde vou?

Mas por quê considerar a Ciência uma arte? Deve-se ter em mente que é preciso uma grande dose de imaginação para idealizar, por exemplo, um veículo que anda por debaixo d’água ou mesmo no espaço. E muito antes da invenção do submarino ou da nave espacial, Julio Verne idealizou estes tipos de veículos em suas estórias fantásticas, equipamentos que a Ciência só pôde tornar realidade muitos e muitos anos depois. Nessa mesma linha de raciocínio, a concepção de uma teoria ou hipótese científica requer não só experimentação exaustiva, mas muita criatividade por parte do cientista para vislumbrar o que não se pode ver ou tocar, para conjeturar sobre o novo e para conseguir enxergar o mundo através de um novo olhar.

E é a busca incessante pelo entendimento dessa enorme complexidade que é o mundo em que vivemos, bem como o cosmos, que faz com que o homem se eleve a um patamar superior ao dos demais animais, por ser a única espécie capaz de se ater a tais questionamentos. Indagações essas que, inicialmente, tinham profunda relação com o domínio espiritual, mas que agora são explicadas de maneira dissociada de dogmas ou crenças religiosos. Talvez seja exatamente por este viés menos atrelado à religião que faz com que muitos leigos até acreditem que o cientista tente brincar de ser Deus. Contudo, se essas mesmas pessoas compreendessem o que de fato é a Ciência, é possível que elas pudessem encará-la de outra maneira: como a ferramenta que o homem concebeu para entender a obra Dele.

Raphael do Carmo Valente, PhD.
Lab. de Imunologia Tumoral
IBqM

2º (o que é ciência?)

Quando eu tinha ali pelos meus dez anos, lembro de estar em uma fazenda com minha família quando meu irmão, que devia ter uns seis ou sete, veio falar comigo, puxando a minha camisa. “Ô, olha só o que eu descobri”. E aí levou eu e minha mãe até os fundos de um galpão, de onde um fio de água meio malcheiroso escorria. Orgulhoso, ele disse: “essa é a água do banheiro”. E pra demonstrar, foi até o banheiro do galpão, jogou um pedaço de papel higiênico no vaso sanitário, deu a descarga, voltou para os fundos e mostrou uns pedaços de papel saindo com a água.
Minha mãe imediatamente entrou no modo “orgulho materno” e saiu pelos quatro cantos da fazenda comentando sobre a descoberta científica do meu irmão. Usando essa palavra mesmo, “científica”. E por que não, afinal? Ele indubitavelmente tinha usado o que normalmente se entende por método científico: observação da água saindo do galpão e do seu cheiro, hipótese de que ela viesse do banheiro, planejamento do experimento utilizando o papel higiênico e teste experimental da sua hipótese.
Seria o que o meu irmão tinha feito de fato ciência? Tenho a impressão de que muita gente diria que sim. E inclusive de que vários cientistas estariam de acordo com a idéia. Até porque a noção do método científico como algo natural e quase inerente à experimentação humana lhes soaria prazerosa, como uma confirmação tácita da “naturalidade” da sua própria maneira de trabalhar. Mas será que esticar a definição de ciência pra incluir o meu irmão de seis anos não levaria a algumas contradições?
Consideremos um bebê que chora pra chamar a atenção da mãe, por exemplo. Certamente ele deve ter chorado pela primeira vez por puro instinto, em resposta a uma agrura qualquer de sua condição de bebê. E certamente a mãe deve ter acudido correndo a consolá-lo nessa primeira vez. Com o tempo, é praticamente certo que a partir dessa observação inicial e das que se seguirão, o bebê antes mesmo de aprender a falar será capaz de montar um modelo mental que associa o choro com a vinda da mãe. E é quase certo que um dia, mesmo que a dor ou a fome não seja tão forte, ele haverá de testá-lo forçando o choro e constatando que a mãe vem. Hipótese comprovada. Mas será que o que o bebê faz é ciência?
E levando a definição um pouco mais longe, se ciência é construir modelos a partir da observação e testá-los experimentando, não estaria o nosso cérebro fazendo ciência o tempo todo sem que sequer nos apercebamos? Afinal, toda a informação que nos chega do mundo a qualquer dado momento, em última análise, são um punhado de ondas luminosas, algumas vibrações sonoras, o cheiro de algumas partículas suspensas no ar e a pressão do que está em contato com o nosso corpo. E a partir dessa informação sensorial bruta e limitada, somos capazes de construir o mundo em que vivemos, com coisas, pessoas, terra e céu. Que no fim das contas é apenas um modelo teórico pra explicar os dados sensoriais que nos chegam: mas um que passamos a vida inteira a construir e testar ininterruptamente em nossa consciência.
Então se a ciência está no método, tenho a impressão de que eu seria forçado a concluir que todos nós fazemos ciência o tempo inteiro, sem cessar. O que é um conceito tão fascinante quanto operacionalmente inútil: afinal, se tudo que o ser humano faz é ciência, a palavra acaba perdendo o seu valor de definir alguma coisa, e se torna um termo vazio.
Assim, talvez um conceito de ciência mais operacional envolva ir além do método. Talvez ciência envolva aplicar o raciocínio científico para questões compartilhadas, de maneira a produzir conhecimento cuja relevância vá além de nossas próprias pessoas. E provavelmente envolva comunicar de alguma maneira o que se descobre: o que o meu irmão já fazia, diga-se de passagem, puxando a minha camisa e dizendo “olha só”.
De fato, é provável que acreditar na necessidade de questões compartilhadas construa um conceito de ciência mais útil do que olhar apenas para o método. Ainda assim, no entanto, eu não chego a me convencer totalmente que ele me agrade mais do que o conceito que incluía o meu irmão, o bebê, e o cérebro em tempo integral. Porque, útil ou não, é inegável que existe algo de sedutor em pensar que fazer ciência é simplesmente uma conseqüência inevitável de estar vivo. E que não existe nada mais inerentemente humano do que observar o mundo e encontrar padrões, explicações e modelos que dêem sentido pra existência, como fazemos desde o berço.
E se os que se dizem cientistas fazem algo mais do que isso, é meramente porque formalizam esse trabalho, abordando questões coletivas e tornando seus modelos mais universais e acessíveis aos outros. Mas no fundo, em termos de método, ser cientista não é muito mais do que fazer o que a gente sempre fez desde criança, só que como trabalho. Talvez por isso é que pareça tão bonito.

Olavo B. Amaral IBqM

3º O que é ciência?
A ciência é a ânsia incansável e infinita pelo conhecimento, fazendo uso da razão e de metodologias experimentais para encontrar respostas infindáveis. É uma forma que encontramos para entendermos o universo ao qual vivemos, porém, como disse Einstein, só conseguimos enxergar o rabo do leão.

É o amor incondicional pelo desconhecido. É o prazer que alimenta a mente. É o calor que nos conforta nos dias frios e tempestuosos. É olhar o mundo com os olhos de criança, sendo a mais importante pergunta o por quê.

É o impossível se tornando possível aos olhos da física. É a biologia sendo vista como uma cura para doenças que afetam os seres vivos. É a química desvendando as propriedades e as estruturas das moléculas. É a matemática, junto com as suas fórmulas e equações, favorecendo o avanço tecnológico científico.

Ciência é razão, é vida e é conhecimento.

Gislaine Curty Ferreira
Programa Jovens Talentos
Lab. de Bioenergética
IBqM




Elisangela da Silva Melo UFRJ - Instituto de Bioquimica Médica Prédio do CCS - Bloco E - Sala 38 Cidade Universitaria - Ilha do Fundão CEP: 21.941-590 - Rio de Janeiro -RJ Telefax: 21 2270-1635

15.5.09

O Eco de uma pedra

O que é Ciência?




(...)E quando, ao cabo do último milênio,
A humanidade vai pesar seu gênio
Encontra o mundo, que ela encheu, vazio!
Soneto O fim das coisas de Augusto dos Anjos.



Por que o céu é azul?

Por que o sol é quente?

É tão difícil conceituar Ciência quanto responder essas perguntas ao seu filho de tenra idade. Por livros e por meandros metodológicos, chegar à sua plenitude faz-nos cada vez mais parecidos com nossos descendentes mais próximos. Por livros, dispõe-se de tempo e de labor cognitivo, a fim de buscar e rebuscar uma resposta que poderia apresentar-se de maneira simples. Os ponteiros avançam, a fome invade quase imperceptível e os pensamentos voam em desencontros construtivos de uma idéia vazia. Como responder? Matéria atrai matéria e perguntas surgem espontaneamente sem cessar em ordem inversa à distância e direta pela vontade de ser, de continuar existindo.

Dividir para melhor compreender. Isso foi por muito tempo um posicionamento, estático e insuficiente, acerca do processo de aprendizado. Num ato-reflexo, de organizar formas e conteúdos, chegava-se ao desfecho, por muitas vezes, incompleto de sentido. Introdução, objetivo, métodos, resultados, discussão e conclusão podem hoje representar ainda o pensamento dominante, tentando pôr ordem na imprevisibilidade do próximo segundo. Assim, caminha a Ciência, em passos pequenos numa cidade de cegos e de surdos.

Seu filho pergunta o que não vê e você responde o que também não ouve. Simples como esses sujeitos indeterminados. Sujeitos de duas vozes: a que sai e que não entende; e a dentro, que não sai pela indiferença idiossincrática. Crescem adultos de vasta biblioteca; crescem crianças sem respostas.

Tudo que poderá servir de definição sobre o tema não irá satisfazer sua inteira acepção. Ciência vive. Ciência sente. Ciência sopra como a mais suave brisa no afã de querer sempre mais.

11.4.09

Vivendo de epiderme

À superficialidade, riso frouxo. Rimas e versos pretensiosamente ricos, com medidas precisas, obedecem a lógica do eco fácil, da rima pobre e do conteúdo vazio.

Sobre o tema, há muito que discutir. Nunca foi simples posicionar-se diante de fenômenos, de eventos excepcionais que causam tanto estranheza quanto dúvidas. Além da legitimidade, das implicações técnicas da medicina, do caráter penal primário do estupro, da ordem moral; tem ainda o senso comum, natural, de cada ser humano a respeito do acontecimento. O unanimidade, por isso, é impulsiva. No entanto, a justiça é contemplativa.

Se por um lado, na ordem de trânsito, os maiores protegem os menores; da mesma maneira, a ética cristã baseia-se: O estuprador é fácil identificar e, com isso, os crimes e as penas são rapidamente enquadrados e setenciadas. A sociedade facilmente compadece-se com a menina. E o menor de todos? O que ele merece? Quem o nota? De outro modo, não é porque me xingaram ou humilharam dentro de meu carro, que me dão o direito de matar quem o fez. Aí, têm-se três vértices bem definidos: O agressor, a vítima e o veículo. O primeiro com sua pena; o veículo com seus possíveis danos e a vítima? Nessa atmosfera, a avaliação de danos é mal definida; porém, os limites individuais são facilmente percebidos. A cada um, com o seu propósito.

Com tantos avanços na Medicina, Psicologia, Pedagogia, com tentativas frustras ou não de prolongar a vida no respirador, por que não tentar salvar dois seres humanos: uma vítima e um inocente? Onde há vida; há esperança.

Agora, aos risos:


Cordel dos excomungados
Miguezim de Princesa*

I

Peço à musa do improviso
Que me dê inspiração,
Ciência e sabedoria,
Inteligência e razão,
Peço que Deus que me proteja
Para falar de uma igreja
Que comete aberração.

II

Pelas fogueiras que arderam
No tempo da Inquisição,
Pelas mulheres queimadas
Sem apelo ou compaixão,
Pensava que o Vaticano
Tinha mudado de plano,
Abolido a excomunhão.

III

Mas o bispo Dom José,
Um homem conservador,
Tratou com impiedade
A vítima de um estuprador,
Massacrada e abusada,
Sofrida e violentada,
Sem futuro e sem amor.

IV

Depois que houve o estupro,
A menina engravidou.
Ela só tem nove anos,
A Justiça autorizou
Que a criança abortasse
Antes que a vida brotasse
Um fruto do desamor.

V

O aborto, já previsto
Na nossa legislação,
Teve o apoio declarado
Do ministro Temporão,
Que é médico bom e zeloso,
E mostrou ser corajoso
Ao enfrentar a questão.

VI

Além de excomungar
O ministro Temporão,
Dom José excomungou
Da menina, sem razão,
A mãe, a vó e a tia
E se brincar puniria
Até a quarta geração.

VII

É esquisito que a igreja,
Que tanto prega o perdão,
Resolva excomungar médicos
Que cumpriram sua missão
E num beco sem saída
Livraram uma pobre vida
Do fel da desilusão.

VIII

Mas o mundo está virado
E cheio de desatinos:
Missa virou presepada,
Tem dança até do pepino,
Padre que usa bermuda,
Deixando mulher buchuda
E bolindo com os meninos.

IX

Milhões morrendo de Aids:
É grande a devastação,
Mas a igreja acha bom
Furunfar sem proteção
E o padre prega na missa
Que camisinha na lingüiça
É uma coisa do Cão.

X

E esta quem me contou
Foi Lima do Camarão:
Dom José excomungou
A equipe de plantão,
A família da menina
E o ministro Temporão,
Mas para o estuprador,
Que por certo perdoou,
O arcebispo reservou
A vaga de sacristão.

(*) Poeta popular, Miguezim de Princesa é paraibano e está radicado em Brasília.

http://recantodasletras.uol.com.br/cordel/1480133

1.4.09

Transitividade

Nasce o dia, bom dia!
pensamentos voam vazios
o ser entra nas narinas
a cada segundo de vivência

Pena, pedra, ponto
pelo, pinto, para,
pêra, pára, porta
pele, pata, pinta

pinta, pêlo, puto
porco, pisca, pomo
pica, pixe, porca
pulga, pilo, pólo

Nem tudo vem
como vão todos por aí
palavras saem sem saber
sem tino, sem razão.

A imagem fica
as pessoas mudam

29.3.09

Pedra não fala

MANIFESTO EM FAVOR DA LEI DE COTAS E DO ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL

AOS DEPUTADOS E SENADORES DO CONGRESSO BRASILEIRO

A desigualdade racial vigente hoje no Brasil tem fortes raízes históricas e esta realidade não será alterada significativamente sem a aplicação de políticas públicas dirigidas a este objetivo. A Constituição de 1889 facilitou a reprodução do racismo ao decretar uma igualdade puramente formal entre todos os cidadãos. A população negra acabava de ser colocada em uma situação de completa exclusão em termos de acesso à terra, à renda, ao conjunto de direitos sociais definidos como “direitos de todos”, e à instrução para competir com os brancos diante de uma nova realidade de mercado de trabalho que se instalava no país. Enquanto se dizia que todos eram iguais na letra da lei, várias políticas de incentivo e apoio diferenciado, que hoje podem ser lidas como ações afirmativas, foram aplicadas para estimular a imigração de europeus para o Brasil.
Esse mesmo racismo estatal foi reproduzido e intensificado na sociedade brasileira ao longo de todo o século vinte. Uma série de dados oficiais sistematizados pelo IPEA no ano 2001 resume o padrão brasileiro de desigualdade racial: por 4 gerações ininterruptas, pretos e pardos têm contado com menos escolaridade, menos salário, menos acesso à saúde, menor índice de emprego, piores condições de moradia, quando contrastados com os brancos e
asiáticos. Estudos desenvolvidos nos últimos anos por outros organismos estatais, como o MEC, o INEP e a CAPES, demonstram claramente que a ascensão social e econômica no nosso país passa necessariamente pelo acesso ao ensino superior.

Foi a constatação da extrema exclusão dos jovens negros e indígenas das universidades públicas que impulsionou a atual luta nacional pelas cotas, cujo marco foi a Marcha Zumbi dos Palmares pela Vida, em 20 de novembro de 1995, encampada por uma ampla frente de solidariedade entre acadêmicos negros e brancos, coletivos de estudantes negros, cursinhos pré-vestibulares para afrodescendentes e pobres e movimentos negros da sociedade civil, estudantes e líderes indígenas, além de outros setores solidários, como jornalistas, líderes religiosos e figuras políticas – boa parte dos quais subscreve o presente documento. A justiça e o imperativo moral dessa causa encontraram ressonância nos últimos governos, o que resultou em políticas públicas concretas, tais como: a criação do Grupo de Trabalho Interministerial para a Valorização da População Negra, de 1995, ainda no governo FHC; as primeiras ações afirmativas no âmbito dos Ministérios, em 2001; a criação da Secretaria Especial para Promoção de Políticas da Igualdade Racial (SEPPIR), em 2003, no governo Lula; e, finalmente, a proposta dos atuais Projetos de Lei que estabelecem cotas para estudantes negros oriundos da escola pública em todas as universidades federais brasileiras, e o Estatuto da Igualdade Racial. O PL 73/99 (ou Lei de Cotas) deve ser compreendido como uma resposta coerente e responsável do Estado brasileiro aos vários instrumentos jurídicos internacionais a que aderiu, tais como a Convenção da ONU para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD), de 1969, e, mais recentemente, ao Plano de Ação de Durban, resultante da III Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, ocorrida em Durban, na África do Sul, em 2001.
O Plano de Ação de Durban corrobora a ênfase, já colocada pela CERD, de adoção de ações afirmativas como um mecanismo importante na construção da igualdade racial. Lembremos aqui que as ações afirmativas para minorias étnicas e raciais já são realidade em inúmeros países multi-étnicos e multi-raciais como o Brasil. Foram incluídas na Constituição da Índia, em 1949; adotadas pelo Estado da Malásia desde 1968; implementadas nos Estados Unidos desde 1972; na África do Sul, após a queda do regime de apartheid, em 1994; e desde então no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia, na Colômbia e no México. Existe uma forte expectativa internacional de que o Estado brasileiro finalmente implemente políticas consistentes de ações afirmativas, inclusive porque o país conta com a segunda maior população negra do planeta e deve reparar as assimetrias promovidas pela intervenção do Estado da Primeira República com leis que outorgaram benefícios especiais aos europeus recém chegados, negando explicitamente os mesmos benefícios à população afro-brasileira.

Vale ressaltar também que, somente nos últimos 4 anos, mais de 35 universidades e Instituições de Ensino Superior públicas, entre federais e estaduais, já implementaram cotas para estudantes negros, indígenas e alunos da rede pública nos seus vestibulares e a maioria adotou essa medida após debates no interior dos espaços acadêmicos de cada universidade. Outras 15 instituições públicas estão prestes a adotar políticas semelhantes para promover maior inclusão. Todos os estudos de que dispomos já nos permitem afirmar com segurança que o rendimento acadêmico dos cotistas é, em geral, igual ou superior ao rendimento dos alunos que entraram pelo sistema universal. Esse dado é importante porque desmonta um preconceito muito difundido de que as cotas conduziriam a um rebaixamento da qualidade acadêmica das universidades. Isso simplesmente não se confirmou! Uma vez tida a oportunidade de acesso diferenciado (e insistimos que se trata de cotas de entrada, apenas, e não de saída), os estudantes negros se esforçam e conseguem o mesmo rendimento que os estudantes brancos.

Outro argumento muito comum usado por aqueles que são contra as políticas de inclusão de estudantes negros através de cotas é que haveria um acirramento dos conflitos raciais nas universidades. Muito distante desse panorama alarmista, os casos de racismo que têm surgido após a implementação das cotas têm sido enfrentados e resolvidos no interior das comunidades acadêmicas, em geral com transparência e eficácia maiores do que havia antes das cotas. Nesse sentido, a prática das cotas tem contribuído para combater o clima de impunidade diante da discriminação racial no meio universitário. Mais ainda, as múltiplas experiências de cotas em andamento nos últimos 4 anos contribuíram para a formação de uma rede de especialistas e de uma base de dados acumulada que facilitará a implementação, a nível nacional, da Lei de Cotas.

Colocando o sistema acadêmico brasileiro em uma perspectiva internacional, concluímos que nosso quadro de exclusão racial no ensino superior é um dos mais extremos do mundo. Para se ter uma idéia da desigualdade racial brasileira, lembremos que, mesmo nos dias do apartheid, os negros da África do Sul contavam com uma escolaridade média maior que a dos brancos no Brasil no ano 2000; a porcentagem de professores negros nas universidades sul-africanas, ainda na época do apartheid, era muito maior que a porcentagem dos professores negros nas nossas universidades públicas nos dias de hoje. A porcentagem média de docentes nas universidades públicas brasileiras não chega a 1%, em um país onde os negros conformam 45,6 % do total da população. Se os Deputados e Senadores, no seu papel de traduzir as demandas da sociedade brasileira em políticas de Estado não intervirem aprovando o PL 73/99 e o Estatuto, os mecanismos de exclusão racial embutidos no suposto universalismo do estado republicano provavelmente nos levarão a atravessar todo o século XXI como um dos sistemas universitários mais segregados étnica e racialmente do planeta! E, pior ainda, estaremos condenando mais uma geração inteira de secundaristas negros a ficar fora das universidades, pois, segundo estudos do IPEA, serão necessários 30 anos para que a população negra alcance a escolaridade média dos brancos de hoje, caso nenhuma política específica de promoção da igualdade racial na educação seja adotada.

Não devemos esquecer que as universidades públicas são as mais qualificadas
academicamente e com as melhores condições para a pesquisa; contudo, oferecem apenas 20% do total de vagas abertas anualmente no ensino superior brasileiro. 90% dessas vagas têm sido utilizadas apenas para a formação de uma elite branca. Para que nossas universidades públicas cumpram verdadeiramente sua função republicana e social em uma sociedade multi-étnica e multi-racial, deverão algum dia refletir as porcentagens de brancos, negros e indígenas do país em todos os graus da hierarquia acadêmica: na graduação, no mestrado, no doutorado, na carreira de docente e na carreira de pesquisador.

Nesse longo caminho em direção à igualdade étnica e racial plena, o PL 73/99, que reserva vagas na graduação, é uma medida ainda tímida: garantirá uma média nacional mínima de 22,5% de vagas nas universidades públicas para um grupo humano que representa 45,6% da população nacional. É preciso, porém, ter clareza do que significam esses 22,5% de cotas no contexto total do ensino de graduação no Brasil. Tomando como base os dados oficiais do INEP, o número de ingressos nas universidades federais em 2004 foi de 123.000 estudantes, enquanto o total de ingressos em todas as universidades (federais, estaduais, municipais e privadas) foi de 1.304.000 estudantes. Se já tivessem existido cotas em todas as universidades federais para esse ano, os estudantes negros contariam com uma reserva de 27.675 vagas (22,5% de 123.000 vagas). Em suma, a Lei de Cotas incidiria em apenas 2% do total de ingressos no ensino superior brasileiro. Devemos ter igualmente claro que essa Lei visa garantir o ingresso de aproximadamente 27.675 estudantes negros em um universo de 575.000 estudantes atualmente matriculados nas universidades federais. Portanto, estes representarão um acréscimo anual de 4,8% de estudantes negros em um contingente majoritariamente branco. Lembremos, finalmente, que o número total de matrículas na graduação em 2004 foi de 4.165.000. A Lei de Cotas assegurará, portanto, que apenas 0,7% do número total de estudantes cursando o terceiro grau no Brasil sejam negros. Devemos concluir que a desigualdade racial continuará sendo a marca do nosso universo acadêmico
durante décadas, mesmo com a implementação do PL 73/99. Sem as cotas, porém, já teremos que começar a calcular em séculos a perspectiva de combate ao nosso racismo universitário. Temos esperança de que nossos congressistas aumentem esses índices tão baixos de inclusão!

Se a Lei de Cotas visa nivelar o acesso às vagas de ingresso nas universidades públicas entre brancos e negros, o Estatuto da Igualdade Racial complementa esse movimento por justiça. Garante o acesso mínimo dos negros aos cargos públicos e assegura um mínimo de igualdade racial no mercado de trabalho e no usufruto dos serviços públicos de saúde e moradia, entre outros. Urge votar o Estatuto, pois se trata de recuperar uma medida de igualdade que deveria ter sido incluída na Constituição de 1889, no momento inicial da construção da República no Brasil. Foi sua ausência que aprofundou o fosso da desigualdade racial e da impunidade do racismo contra a população negra ao longo de todo o século XX. Por outro lado, o Estatuto transforma em ação concreta os valores de igualdade plasmados na Constituição de 1988, claramente pró-ativa na sua afirmação de que é necessário adotar mecanismos capazes de viabilizar a igualdade almejada. Enquanto o Estatuto não for aprovado, continuaremos reproduzindo o ciclo de desigualdade racial profunda que tem sido a marca de toda a nossa história republicana até os dias de hoje.

Finalmente, gostaríamos de fazer uma breve menção ao documento contrário à Lei de Cotas e ao Estatuto da Igualdade Racial, enviado recentemente aos nobres parlamentares por um grupo de acadêmicos pertencentes a várias instituições de elite do país. Ao mesmo tempo em que rejeitam frontalmente as duas Leis em discussão, os assinantes do documento não apresentam nenhuma proposta alternativa concreta de inclusão racial no Brasil, reiterando apenas que somos todos iguais perante a lei e que é preciso melhorar os serviços públicos até atenderem por igual a todos os segmentos da sociedade. Essa declaração de princípios universalistas, feita por membros da elite de uma sociedade multi-étnica e multi-racial com uma história recente de escravismo e genocídio sistemático, parece uma reedição, no século XXI, do imobilismo subjacente à Constituição da República de 1889: zerou, num toque de mágica, as desigualdades causadas pelos três séculos de escravidão e genocídio, e jogou para um futuro incerto o dia em que negros e índios pudessem ter acesso eqüitativo à educação, às riquezas, aos bens e aos serviços acumulados pelo Estado brasileiro. Acreditamos que a igualdade universal dentro da República não é um princípio vazio e sim uma meta a ser alcançada. As ações afirmativas, baseadas na discriminação positiva daqueles lesados por processos históricos, são a figura jurídica criada pelas Nações Unidas para alcançar essa meta. Rejeitar simultaneamente a Lei de Cotas e o Estatuto da Igualdade Racial significa aceitar a continuidade do quadro atual de desigualdade racial e de genocídio e adiar sine die o momento em que o Estado brasileiro consiga nivelar as oportunidades entre negros, brancos e indígenas. Por outro lado, são os dados oficiais do governo que expressam, sem sombra de dúvida, a necessidade urgente de ações afirmativas: ou adotamos cotas e implementemos o Estatuto, ou seremos coniventes com a perpetuação do nosso racismo e do nosso genocídio.

Instamos, portanto, os nossos ilustres congressistas a que aprovem, com a máxima urgência, a Lei de Cotas (PL73/1999) e o Estatuto da Igualdade Racial (PL 3.198/2000).

Brasília, 29 de junho de 2006
Subscrevem este manifesto:

1. Alexandre do Nascimento – Membro da Coordenação do Movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), Professor da FAETEC e Editor da Revista Global Brasil.
2. Ana Beatriz Souza Gomes – Professora de Educação da Universidade Federal do Piauí (UFPI)
3. Arivaldo Lima Alves – Professor de Antropologia da Universidade Estadual da Bahia
4. Álvaro Fernandes Sampaio - Tukano – Líder do Povo Tukano/ Assessor do Instituto Brasileiro da Propriedade Intelectual (INBRAPI)
5. Carlos Alberto Reis de Paula – Ministro do Tribunal Superior do Trabalho/Professor de Direito da Universidade de Brasília
6. CENEG - Coletivo Estadual de Estudantes Negros - RJ
7. CENUNBA – Coletivo do s Estudantes Negros das Universidades da Bahia - BA
8. Daniel Munduruku – Presidente do INBRAPI – São Paulo
9. Delcele Queiroz – Professora da Universidade Estadual da Bahia
10. Dora Lúcia Lima Bertúlio – Procuradora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) –Propositora do Sistema de Cotas da UFPR
11. Eduardo Viveiros de Castro – Professor de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ/Pesquisador 1-A do CNPq
12. Emir Sader – Professor da UERJ/Presidente do Laboratório de Políticas Públicas (LPP) da UERJ
13. Fabiana Oliveira - Membro da Coordenação do Movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes, ex-aluna do PVNC e estudante de Comunicação.
14. Fernanda Kaingangue – Mestra em Direito/ Diretora-Executiva do INBRAPI
15. Fernando Pinheiro - Membro da Coordenação do Movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes e Professor da Rede Pública.
16. Francisca Novantino Ângelo Pareci – Mestra em Educação/ Representante Indígena do Conselho Nacional de Educação
17. Frei David Raimundo dos Santos – Diretor Executivo da EDUCAFRO rede de 255 prévestibulares comunitários para afrodescendentes e carentes
18. Ilka Boaventura Leite – Professora de Antropologia da UFSC/Coordenadora do NUER
19. Iolanda de Oliveira – Professora de Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF)/Coordenadora do PENESB
20. Ivair Augusto dos Santos – Assessor da Secretaria Especial de Direitos Humanos do Ministério da Justiça
21. Ivanir Alves dos Santos – Coordenador do Centro de Articulação de Populações Marginais (CEAP), do Rio de Janeiro.
22. Jocelene Ignácio - Membro da Coordenação do Movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), Assistente Social e Professora Universitária.
23. José Carlos dos Anjos – Professor de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Membro da Comissão Acadêmica Oficial para Formulação de um Sistema de Cotas na UFRGS
24. José Jorge de Carvalho – Professor de Antropologia da Universidade de Brasília –Pesquisador 1-A do CNPq – Propositor do Sistema de Cotas da UnB
25. José Luís Petrucelli – Pesquisador Titular do IBGE
26. Kabengele Munanga – Professor Titular de Antropologia da USP
27. Luís Ferreira Makl – Professor Substituto de Antropologia da Universidade de Brasília/Pesquisador Associado do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UnB
28. Marcelo Tragtenberg – Professor de Física da Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) – Membro da Comissão Acadêmica Oficial para Formulação de um Sistema de Cotas na UFSC
29. Marcio Goldman – Professor de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ
30. Marco Antônio Domingues Teixeira – Professor de História da Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
31. Moisés Santana – Professor de Educação da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)–Propositor do Sistema de Cotas da UFAL
32. Nelson Inocêncio – Professor de Artes Visuais da UnB/Coordenador do NEAB da UnB
33. Nilma Lino Gomes – Professora de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)/Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN)
34. Olívia Maria Gomes da Cunha – Professora de Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
35. Otávio Velho – Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Pesquisador 1-A do CNPq
36. Pablo Gentili – Professor de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) - Diretor do LPP – UERJ
37. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva – Professora de Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) e conselheira do Conselho Nacional de Educação
38. Raimundo Jorge – Professor de Ciência Política da UFPA – Propositor do Sistema de Cotas da UFPA
39. Renato Emerson dos Santos – Professor de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
40. Renato Ferreira – Advogado da EDUCAFRO - Pesquisador do PPCOR-UERJ
41. Rita Laura Segato – Professora da Universidade de Brasília – Pesquisadora 1-A do CNPq – Propositora do Sistema de Cotas da UnB
42. Sales Augusto dos Santos – Doutorando de Sociologia da UnB/Pesquisador do NEAB da UnB
43. Sílvio Humberto Cunha – Professor de Economia da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)/Diretor do Instituto Steve Biko
44. Tânia Stolze Lima – Professora de Antropologia da Universidade Federal Fluminense
45. Valter Roberto Silvério – Professor de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR)/Membro da Comissão Oficial para Formulação de um Sistema de Cotas para a UFSCAR
46. Wilson Mattos – Professor de História da Universidade Estadual da Bahia
47. Zélia Amador de Deus – Professora de Artes da UFPA – Propositora do Sistema de Cotas da UFPA

http://lpp-uerj.net/olped/documentos/1745.pdf

28.3.09

Ponto

Argumentos de uma cruzada frágil
Por Antônio José do Espírito Santo em 6/7/2004

Tem causado muita celeuma o empenho quase militante do jornalista Ali Kamel em sua cruzada em O Globo contra a adoção de cotas raciais no ingresso na universidade pública brasileira.
Enfática, facilitada talvez pelo fato de ele exercer um cargo proeminente na maior rede de mídia do país, o que chama mais a atenção na cruzada do jornalista é a incrível contradição entre o amplo espaço de mídia de que ele dispõe e a superficialidade por demais evidente de sua argumentação, atributo no mínimo estranho no texto de um jornalista tão veementemente determinado a expor suas idéias sobre o assunto.
Em seu último – e extenso – artigo sobre o tema, Ali Kamel já começa afirmando assim, sem mais nem menos que, ao adotar as cotas raciais, o Brasil estaria "rompendo com a tradição legal de tratar brasileiros sem distinção de raça ou cor". Ora, qualquer brasileiro medianamente informado sabe que esta referida tradição jurídica só tem, de tradicional, o fato de ter sido, há muito tempo, transformada em letra morta, desmoralizada pelo desuso, como o foram tantos e tantos outros artigos e parágrafos de nossas leis, principalmente quando tratavam de corrigir injustiças sociais históricas, como o racismo, por exemplo.
Logo em seguida, Ali se vale do trabalho "Ação afirmativa ao redor do mundo. Um estudo empírico", de Thomas Sowell, segundo ele "um dos mais renomados intelectuais americanos". Não conhecemos nada sobre Thomas Sowell. Por conta disso não podemos aferir seu alegado renome ou, mesmo, atestar a propriedade de suas idéias contra as ações afirmativas em geral (idéias, a propósito, consideradas "demolidoras" por Kamel). Seria no entanto o caso de se perguntar: que importância tão transcendental poderia ter um estudo, assumidamente empírico, realizado por um estudioso americano sobre matéria tão especificamente ligada à realidade brasileira atual e imediata, em detrimento do tanto que já se escreveu sobre o tema por aqui?
Para início de conversa, a avaliação dos desacertos (onde foram parar os acertos?) de políticas afirmativas ou de isonomia social não poderia ser realizada assim, de forma tão generalizadora. Relembrando Bill Clinton, não se pode ser contra políticas deste tipo só por que se pode ser. Tem gente olhando.
Assim sendo, o que teriam em comum realidades sociais tão diferentes quanto Sri Lanka e Nigéria, Índia, Malásia e Estados Unidos, utilizadas por Kamel (citando Sowell) como base de sua argumentação? Não é tão simples se afirmar peremptoriamente, mas, ao que tudo indica, a essência dos problemas sociais no contexto das eventuais políticas afirmativas empreendidas na Malásia, no Sri Lanka expressa, na maior parte dos casos, a existência de distorções e disputas étnicas, cuja solução ou reparação poderia vir a auxiliar algum tipo de unidade nacional, territorial ou mesmo a realização de aspirações nacionalistas ou separatistas recorrentes. Reflexos de disputas interétnicas, em suma, entre outras complexidades.
O papel do invasor
Aliás, a confusão inexplicável que Kamel faz dos conceitos raça e etnia chega a ficar esdrúxula quando ele evoca o candente exemplo da Guerra de Biafra, na qual, sabidamente, poderosos interesses do colonialismo inglês insuflaram uma cruenta guerra separatista, a partir de divergências étnicas históricas e muito antigas entre os povos haussa, yoruba e ibo. Ora, a guerra na Nigéria nada teve a ver, diretamente, com a questão das ações afirmativas. O que houve por lá, todos se lembram, foi uma guerra. Os então inimigos yoruba (conhecidos como nagôs no Brasil) e ibo (os massacrados biafrenses) são rigorosamente povos da mesma raça (tendo até alguns de seus descendentes entre os protagonistas no debate atual pela adoção de cotas raciais no Brasil).
A única relação que os referidos conflitos na Ásia ou na África poderiam ter com cotas raciais seria talvez o fato de que, em muitos casos, as contradições étnicas ou nacionalistas que elas visavam resolver terem sido insufladas pelos poderosos interesses geopolíticos do maquiavélico colonialismo das potências brancas ocidentais, que inventaram o racismo, este eficiente sistema de cotas ao contrário: divide et impera.
O mais curioso inclusive é que em sua inexplicável simplificação de um fato histórico tão notório Kamel, sabe-se lá por que razão, omite completamente o papel do invasor inglês, pivô evidente de toda aquela tragédia que, se previu algum tipo de cota, foram as contas macabras da fome e do extermínio.
Nem corpo mole nem mão beijada
Falando agora realmente de cotas raciais, o que teria a ver no discurso de Kamel a eventual ascensão social de um pequeno contingente de imigrantes chineses e japoneses na América com o racismo perpetrado pelos brancos americanos contra seus próprios cidadãos negros? Em que dados afinal Kamel se baseia para afirmar, tão categoricamente, que os emigrantes asiáticos na América teriam ascendido socialmente "apenas por esforço próprio", sem nenhum tipo de mecanismo de promoção social que os estimulasse? Aliás, é muito forte e incômoda a sensação de que, ao insistir tão enfaticamente nesta tese de uma eventual eficiência oriental Ali Kamel, por extensão, possa estar sugerindo uma espécie de incompetência ou inferioridade negra, historicamente improvável e, logo, preconceituosa.
Algo parecido com esta perigosa analogia são as ilações que o jornalista faz sobre as cotas raciais nos EUA.
É bom que se recorde que foi muito árdua, complexa e, por que não dizer, controvertida a luta dos negros americanos por seus direitos civis, luta que foi a inspiração mais evidente do moderno conceito de ação afirmativa hoje em voga no Brasil e no mundo.
Não se pode dissociar os enforcados do Alabama, as grandes marchas pelos direitos civis e os assassinatos de Martin Luther King, Malcom X ou dos irmãos Kennedy das ações afirmativas ou leis de cotas que os precederam. Típico caso de ação e reação, causa e efeito, em suma. Desconhecer, subestimar ou ignorar a relação direta entre estes fatos seria o mesmo que tripudiar da história e de suas vítimas. Não houve, há que se frisar, corpo mole nem mão beijada. Nem lá nem aqui.
Intenção protelatória
Ao contrário do que surpreendentemente afirma Ali Kamel em seu artigo, o que fez o número de conflitos raciais crescer na década de 70 na América não foi a adoção das cotas mas, ao contrário, a violenta repressão policial estimulada pelos segregacionistas e demais ferrenhos opositores da integração racial e das ações afirmativas em geral (grupo no qual, infelizmente, Ali Kamel parece que de algum modo se coloca, levando Thomas Sowell de contrapeso).
Aliás, quando trata da questão das cotas nos Estados Unidos, Kamel omite também a enorme e segregadíssima população hispânica (sobretudo mexicanos e porto-riquenhos), além da árabe (sobretudo os muçulmanos, excluídos da vez no pós-11 de Setembro) e para os quais muitas ações afirmativas, por certo, ainda terão que ser empreendidas um dia.
Voltando enfim ao foco principal da questão, sejamos francos: o sistema de ensino no Brasil é, em todos os níveis, excludente em sua própria essência. Excluir, garantir a pouca farinha para o pirão de poucos, esta tem sido a sua principal razão de ser.
Delfim Neto, famoso ex-ministro da Fazenda no auge da ditadura militar, teria afirmado certa vez, acerca da extrema desigualdade na distribuição da renda no país, que era preciso primeiro "aumentar o bolo" para só então distribuí-lo entre os despossuídos. A tese de Kamel de que "é preciso primeiro melhorar a qualidade do ensino básico" para só aí, e pelos meios atuais, autorizar o ingresso de negros e pobres na universidade, vista por este prisma, parece ter esta mesma intenção protelatória.
Excedentes indesejáveis
É óbvio que será necessário melhorar a qualidade do ensino básico, mas uma coisa absolutamente não anula a outra. Há que se intervir radicalmente, e desde já, nos procedimentos de acesso à universidade pública, afim de demolir seus mecanismos de exclusão tão arraigados. Quebrar seus funis.
É óbvio que a adoção de cotas, neste como em outros casos, objetiva a correção de distorções eminentemente sociais. Ocorre no entanto que o fato de os negros serem as vítimas mais evidentes destas distorções faz com que as cotas raciais sejam um critério claramente pertinente, um grande facilitador na implementação destas políticas. O resto é tergiversação.
Sofismas na acepção da palavra, os procedimentos atuais que regulam o acesso ao ensino universitário por exemplo, notadamente os chamados exames vestibulares, são do mesmo modo excludentes por natureza, não representando, a rigor, procedimento de aferição de conhecimento algum que não seja a simples apreensão de senhas, regras e códigos de acesso, decodificados em apostilas.
São portanto o que o seu próprio nome diz: mecanismos "vestibulares", portas reguladoras do acesso para os que tiverem mais "bala na agulha", aqueles que, por ascendência socioeconômica (de certo modo o mesmo que sócio-racial no Brasil), terão o direito á educação plena que o Estado brasileiro não consegue a disponibilizar para todos, necessitando de, por meio destes eficientes mecanismos, excluir os excedentes indesejáveis.
Não compreenderam
Se há tão profundos níveis de desigualdade social no Brasil, é óbvio que semelhante sistema educacional não visa – ou não precisa visar – necessariamente educar, desenvolver país algum. Quem liga?
É por estas e outras que, se formos mesmo rigorosos quanto a isto, veremos que não existem ainda provas realmente cabais de que a universidade pública brasileira é excelente em si mesma. Um oásis de excelência a ser preservado da invasão de bárbaros pé-rapados.
É provável mesmo que, num ranking mundial, não estejamos em posição tão vantajosa quanto poderíamos estar se tivéssemos uma universidade realmente democrática. Como se sabe hoje que raça e condição econômica não são, de modo algum, sinônimos de maior inteligência ou maior aptidão intelectual, é óbvio que estamos utilizando, ainda hoje, mais de um século depois do fim da escravidão, algum tipo de complexo mecanismo de exclusão, que faz com que sejam admitidas na universidade uma maioria esmagadora de pessoas brancas e relativamente ricas, caracterizando um perfeito sistema de cotas raciais, portanto.
Se soubermos o verdadeiro sentido do conceito educação, concluiremos que o que temos no Brasil hoje é um sistema educacional ineficiente, além de doente e anacrônico. A sociedade brasileira está cheia de "mecanismos vestibulares" como este (ações negativas). No serviço público, no esporte, na dramaturgia televisiva, e até no jornalismo, talvez. São estes mecanismos que as ações afirmativas visam demolir, independentemente de quaisquer outras ações que o Estado ou a sociedade venham a empreender em prol da democratização do país.
É isto que pessoas como o jornalista Ali Kamel não compreenderam ainda.

de vista

Quarta-Feira, 25 de Março de 2009

Afro-brasileiros contra leis raciais

José Roberto F. Militão


No Congresso debatem-se os polêmicos projetos de leis raciais, que preveem cotas em universidades e até no mercado de trabalho e em concursos. São matérias que interessam a todos e dividem também os afro-brasileiros. Há os favoráveis, muitos bem organizados e bem financiados, e há os cidadãos comuns, não organizados - 62,3% são contrários às leis e cotas raciais, de acordo com pesquisa Cidan/IBPS de 20 de novembro.

Os argumentos contrários são de razões éticas e psicossociais, já que a aprovação dessas leis significa a imposição pelo Estado de uma identidade jurídica racial que hoje não temos, alterando substancialmente o status da cidadania de todos. A Constituição federal repudia a classificação racial e está conforme as convenções internacionais que, desde a 2.ª Guerra Mundial e desde a Declaração Contra o Racismo da Unesco, de 1950, têm reiterado o consenso de que a luta contra o racismo exige esforços estatais para a destruição da crença em raças. Isso pressupõe a necessária abstenção do Estado para não legitimar essa crença racial.

Desde então, nenhum país tem recorrido a leis raciais para conferir ou excluir direitos. Estamos trilhando a contramão da história. Sem pensar nas gerações futuras, leis e políticas públicas estão racializando o Brasil e violando os artigos 5.º e 19.º da Constituição, segregando direitos da cidadania. Não é disso que precisamos. Queremos que o Estado nos assegure o direito à igualdade de tratamento e de oportunidades, o que não equivale a privilégios raciais.

Outra objeção conceitual é que políticas de cotas raciais não são equivalentes a programas de ações afirmativas. As cotas compulsórias não têm acolhimento em razão dos males que produzem: aprofundam a crença racial, geram no meio social, a médio e a longo prazos, divisões, conflitos e ódios raciais, em que as vítimas são os afro-brasileiros. Os defensores de leis raciais ludibriam a boa-fé alegando que cota racial é ação afirmativa. Mas especialistas ensinam que "ação afirmativa" é a boa doutrina jurídica acolhida pelo Direito, destinada a coibir todos os tipos de discriminações atuais cotidianas, como racismo, sexismo, machismo, homofobia, etc. Portanto, nos moldes do que lecionava em 2001 o jurista Joaquim Barbosa, atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), "somente os inimigos de ações afirmativas é que as denominam por cotas raciais". Era essa, também, a opinião da ministra do STF Carmem Lúcia e do professor Mangabeira Unger: as ações afirmativas não fazem reparações do passado, não fazem cotas estatais, mas atuam com eficácia para que as discriminações históricas não persistam no presente. Portanto, os afro-brasileiros precisam de políticas públicas de inclusão, indutoras e garantidoras da promoção da igualdade, e não das cotas de humilhação.

No caso da escassez de vagas nas universidades, não é razoável que, sem qualquer novo investimento público, sob alegação de falacioso direito racial, venha o Estado retirar vagas de brancos pobres para entregá-las a pretos também pobres, oriundos de mesma escola pública e mesmo ambiente social. Basta, portanto, a reserva de 50% das vagas por meio de critérios sociais e de origem na escola pública, suficientes para ampliar oportunidades e igualar a disputa entre os pobres. Com isso também se reduz o privilégio dos ricos.

A realidade inaceitável é que a apologia de raças pelo Estado produzirá efeitos colaterais conhecidos e prejudiciais aos afro-brasileiros, pois se trata da crença racial edificada para oprimir. Ao Estado cabe atuar para destruir a crença em raças, neutralizar as discriminações no presente e induzir a igualdade de oportunidades. Leis raciais não servem para redução das desigualdades entre brancos e pretos, pois atacam os efeitos, mas aprofundam as causas, alimentando a perniciosa autoestima racial, em prejuízo da autoestima humana. Isso é violência contra a dignidade humana, pois deduz-se, nesse conceito, pelo senso comum, que há uma perversa hierarquia implícita, na qual a "raça negra" seria a "raça" inferior.

Nos EUA, desde 1990, importantes intelectuais afro-americanos como Thomas Sowell, Cornell West, Kevin Gray e inclusive o atual presidente, Barack Obama, denunciam que a autoestima racial está dilacerando a juventude afro-americana, vítima do niilismo social. Dados oficiais revelam que 1 em cada 3 jovens de 16 a 24 anos está sob a custódia da Justiça. Quase 2 milhões estão nas prisões, o equivalente a mais de 4% dos afro-americanos. Eles são 12% da população, correspondem a 60% dos presos e a 70% dos casos de gravidez na adolescência. São estatísticas que revelam a tragédia social numa sociedade que cultua uma profunda crença racial. Atinge inclusive os filhos da classe média. Não é justo que o Parlamento condene nossas crianças com a mesma crença de que pertencem a uma "raça negra e inferior". Essas leis, segregando direitos, aumentam a autoestima racial, mas enfraquecem o caráter e deformam a personalidade, afirmava Martin Luther King em Carta da Prisão de Birmingham (1963).

Até o presente momento, não somos vítimas dessa autoestima racial. Se nossos jovens talentos tiverem oportunidades iguais, sem o estigma da inferioridade implícita nas cotas raciais impostas pelo Estado, saberão aproveitá-las. A identidade racial é, portanto, assunto que diz respeito aos afro-brasileiros, pois nos afetará, enfraquecendo a autoestima humana. O Parlamento atento a preceitos éticos não deve cometer esse crime de lesa-humanidade. Com sabedoria, nossas avós ensinaram: somos homens e mulheres "de cor". Elas deduziam que a cor de pretos e pardos é uma característica biológica natural, diferente do conceito de "raça negra" - uma construção social para oprimir, violar a dignidade dos humanos de cor e sonegar a inteira humanidade, conforme dizia o líder afro-americano Malcom X.

José Roberto F. Militão, advogado, membro da Comissão de Assuntos Antidiscriminatórios Conad-OAB/SP, foi secretário geral do Conselho da Comunidade Negra do governo do Estado de São Paulo (1987-1995).

23.3.09

Transformação

Já fui um
e muito mais:
sozinho e com todos
já fui um.

Hoje, tento não ser
hoje, sou o que não era
hoje, os olhos brilham
apagados.

Saio por uma fresta
como quem escolhe
a outra
a que não poderia ser.

O ponto e a pedra
a pedra afunda
e o ponto
acaba.

A beleza está aí:
na simples natureza morta
no conceito mais primitivo
de ser feliz.

A pedra afunda
a chuva molha
o beijo amado
o riso infantil.

O ontem, um
hoje, nada
amanhã, não sei.

21.3.09

Voz calada

Afinal, o que é solidariedade? Para que serve?

Viver.

Melhor que uma resposta, a simples boa ação já atende a incitação; porém, num intenso taoísmo de valores, a relativização do bem e do mal aprofunda a questão em algumas releituras: a toda ação, equivale uma intenção forte e de sentido, muitas vezes, contrário. Mais do que de palavras, o conceito vem da forma, das faces dinâmicas dos relacionamentos. Poder-se-ia cogitar, então, que ser solidário é virtuoso. Ledo engano. Solidarizar é firmar-se cada vez mais; notabilizar-se. Não será preciso gastar mais linhas e letras para mostrar o caráter egocêntrico de tal ação. Antes mesmo de pensar em querer a paz, a união ou o bem-estar, o ato reflexo do sujeito agente é certificar-se de sua imagem e auto-imagem. Antes só do que...Não! Acompanhado para evidenciar as diferenças.

Exagero? Amargura?

Não.

Aos fatos: sabe-se, certamente, que viver nunca foi um gesto solitário. Todo e qualquer ser humano, seja direta ou indiretamente, só sobrevive com ou em função de algo ou de alguém. Ora, pelos padrões de imperfeições outrora definidos – como raiva, inveja, orgulho, dentre outros – tornou-se fundamental aparecer mais e bem. De outra maneira, seria o mesmo que dizer sobre a eminência dos mais aptos; daqueles que mais crescem, mostrando a força que têm – Darwinismo social. Feito uma rede com nós e ramos, o relacionamento humano, portanto, baseia-se na estabilidade e na fluência de contatos; quanto mais, melhor.

O tilintar das pedras

Primeiro-lugar do desafio da Bioquímica Médica - UFRJ

Afinal, o que é solidariedade? Para que serve?

Solidariedade quer dizer complementaridade, compartilhamento, ligação, dependência, reciprocidade. É a superação do individualismo, sem a anulação do indivíduo.
Antes de ser uma atitude desejável em uma sociedade civilizada, a solidariedade é o parâmetro mais profundo que define a individualidade humana como o resultado criativo da relação com outras individualidades.

O individualismo e a correria pela sobrevivência tornaram a humanidade uma grande sociedade anônima, onde as pessoas não se conhecem, onde os relacionamentos são superficiais e até mercantilistas. A busca pela solidariedade nos faz perceber nossas próprias limitações à medida que conhecemos o outro e suas necessidades. Quando entendemos a relação social como um processo de autoconhecimento e de aprendizado, incluímos o outro no nosso relacionamento, e o “eu” torna-se “nós”.

A solidariedade é a conquista de uma relação social que permite o desenvolvimento do potencial humano e dele depende. Ser solidário é ser humano. A solidariedade é a pré-condição para a troca de conhecimentos. É um processo de libertação social, de autoconhecimento coletivo. É uma qualidade que se aprende e se ensina nas mais variadas condições sociais e ambientes.

A solidariedade não serve apenas para ser praticada em grandes catástrofes, devemos exercitá-la no dia-a-dia: dentro de casa, no trabalho, nas relações interpessoais mais simples. Ela pode ser em forma de ajuda financeira; doação de alimentos, remédios, roupas, trabalho, conhecimento; um simples abraço. Podemos ver solidariedade entre ricos, entre pobres, médico e paciente, professor e aluno, pais e filhos, empregadores e empregados, povos e nações.

Somente através da prática da solidariedade poderemos contemplar a transformação dessa sociedade massificada, egoísta, agressiva e fragmentada em uma sociedade com mais amor, mais respeito, mais partilha. Uma sociedade menos conflituosa, onde a guerra possa dar lugar à paz. Então, deixaremos de ser uma sociedade anônima e nos tornaremos uma sociedade humana.

RENATA DE MORAES MACIEL DOS SANTOS


Segundo colocado

a)

Se tomarmos o termo solidariedade, a despeito do conceito de altruísmo
cristão, como uma “preocupação para com o outro” (sollicitudo, latim,
preocupação), poderemos entender que, ao partir do pressuposto básico de que
todo o homem social interage e interdepende de outros (eu apenas existo a
partir do outro, da visão do outro), a solidariedade serve, então, para
garantir a sobrevivência do humano, seja do ponto de vista ontológico ou
social.

Obrigada
Nathalia Varejão


b)

Solidariedade é comparecer ao Fundão em um domingo de sol para ajudar seu
colega de laboratório a carregar as caixas dos seus animais, somente por
ajudar mesmo, sem colaboração alguma com o seu projeto.

Solidariedade é fornecer suas culturas de células para alguém que perdeu
tudo e está com a defesa de mestrado ou doutorado marcada.

Solidariedade é encontrar um pesquisador faminto em um domingo no CCS e,
sem esperar nada em troca, oferecer seu pacote de biscoito que você trouxe
para agüentar o dia.

Solidariedade é passar uma noite em claro ajudando seu amigo a terminar um
pôster para um congresso no dia seguinte.

Solidariedade é parar o que você está fazendo e explicar como realizar um
experimento de maneira correta para um aluno desesperado com os resultados
obtidos.

Solidariedade é compartilhar com muita boa vontade equipamentos caros com
laboratórios “menos favorecidos financeiramente”.

Solidariedade é encontrar alguém do seu laboratório desesperado para
finalizar um artigo e você oferecer uma ajuda com as figuras e legendas.

Solidariedade é ouvir por vinte vezes a mesma apresentação somente para
fornecer uma platéia crítica a um amigo que está próximo de sua seleção de
doutorado.

E, principalmente, solidariedade é pagar umas boas cervejas para as
pessoas que conseguem defender suas monografias e teses, publicar seus
artigos e passar em concursos após tanto esforço e tantos pequenos gestos
solidários ao longo de sua carreira científica.

A solidariedade é fundamental em nosso meio de trabalho, e as dificuldades
que encontramos pelo caminho tornam-se mais fáceis de serem supoeradas,
além de contribuir para um ambiente de trabalho de muita alegria, muita
satisfação e, principalmente, muito orgulho de fazer parte desse grupo de
pesquisadores da UFRJ!

Patrícia Bado

c)

Solidariedade é uma virtude do ser humano que, em meio à tenta diferença,
enxerga similaridade. Beneficio que é antagônica a qualquer forma de preconceito.

A solidariedade não é pontual, não cabe em medidas tampouco aferições e o seu
produto é imensurável: o bem estar e a alegria alheia.

Para que serve?
Para percebermos que estamos no mesmo barco naufragável, onde todos importam
do convés a proa. Sendo assim, nossas atitudes e omissões contam.

Solidariedade é a ferramenta que nos redimensiona perante o universo, é a
oportunidade de nos colocarmos na posição do outrem. Mostra o privilégio de
sermos seres sociais e o melhor de tudo, a solidariedade nos faz promotores da
justiça.

No dia que aprendermos que no reflexo da vida todos somos iguais, até Narciso
será solidário.


Renato de Paulo

15.3.09

Comunidade acadêmica, uní-rio!

Palavras são apenas palavras. Nada que se escreve ou que se fala é capaz de mover um átomo sequer da vontade de ver um bem-comum melhor. Às vezes, parecem flores, mas são poesias; outras vezes, farpas; mas são puras grosserias. É chegada a hora para alguma coisa. Não sei o que é, porém há de ter a certeza de mudança.

Para começar, saber todas as negativas já é o começo. Não quero isso. Não quero aquilo. A vontade coletiva parte dos interesses pessoais e os interesses pessoais limitam-se pelo respeito aos ditames coletivos, garantindo o convívio ético das diferenças. Têm-se três, pelo menos, esferas de conflito: docente, discente e técnicos-administrativos. Cada uma delas possui suas prerrogativas, mas todas pertencem a um bem maior. Não interessa se é bom ou foi bom; e sim se para o convívio próximo houve mudanças, já lembradas noutro momento.

Depois, há também de não se esquecer que uma fase é composta por vários períodos, no dia à dia, de modo arrastadamente gradual. Se todos andassem com um diário, notas e mais notas seriam ao fim mais do que lembranças: seriam marcos de produtividade. Num momento em que se gasta tanto tempo e dinheiro para sensibilizar a todos da extrema concorrência, globalização, a produtividade torna-se o pilar mister do avanço institucional baseado no tripé - já clichê - ensino, pesquisa e extensão. A memória engana o povo. As lembranças são de quem as dominam por critérios de seleção.

E agora? Existem caminhos diversos e não sabemos do futuro. Ora, o mínimo é andar junto. Ter uma forte ressonância e convergência de interesses. Nesse caso, dá para vislumbrar também somente três: dos docentes, discentes e técnicos-administrativos. Escolher, com isso, se torna mais fácil de, na hora da assembleia, ideias serem confrontadas e, a partir daí, emergir uma síntese melhor possível. “Quem não discute, não tem direito de reclamar” é um dos ditados mais falados por meu avô.

A sabedoria vem de longe e não precisa estar numa universidade para tê-la. A roda já foi inventada e o que se faz é criar mais efeitos para a sua função. Está tudo pronto em nossa universidade, só faltam mais efeitos de luz, câmera e ação, porque brilho próprio ela possui. Cada membro desta honrosa Universidade ilumina mais do que seus corredores; mais do que suas salas; leva luz ao mundo em que se vive com suas geniais e peculiares contribuições. Somos a roda. E queremos um merecido designer de reconhecimento e não uma carcaça velha de museu que nos impuseram.

As idéias são as mesmas e a luta continua. Queremos melhores condições de trabalho. Queremos capacitação profissional. Queremos difundir conhecimento. Queremos uma só paixão. Somos Unirio. Somos um corpo com vários membros, que, sem um deles, sentimos uma imensa falta.

É a hora! Independente de qual for o resultado, deve-se levar para sempre a lição de fazer de uma fase (gestão administrativa), uma caminhada, onde as lembranças ficam no papel e a memória no presente de quem faz a História acontecer. Todo ponto-de-vista converge-se sob o mesmo raio para um centro. Plural, mas soberano. Diverso, mas único. Coerente, mas paradoxal como qualquer desfecho que nunca acaba.

4.3.09

História passando...

Poderá parecer piegas ou dispensável, mas diante do fato de que, estranhamente, um presidente negro veio a ocupar o cargo mais cobiçado do planeta, permite, ao menos, indagar. Quem é, politicamente, Barack Obama? Por que não Hillary? Ou Al Gore? Evolução natural do interesse político ou um tímido interesse dos "grandes donos" da informação? Não sei. Obama! Viva, o novo presidente! Aclamações surpreendentes, como por uma espera do messias, para a dúvida do momento. Não acredito em acaso na politica, muito menos, em um milagre eleitoreiro. Um povo, onde o voto é facultativo, depois de ter confiado dois mandatos bushianos, resolve comparecer quantidade recorde e mudar o rumo de uma estória, estória até muito bem contada pelos neoliberais de plantão.

Por outro lado, no quintal estadunidense, cresceu o número de líderes heterodoxos aos planos do grande Sam. A influência não é mais a mesma. O foco é para o lado das mil e uma noites; ou melhor, já são mais de cinco anos de ocupação do Iraque. Esquerdistas ou não, a verdade é que a política internacional sobre os latinos não é como já foi. De uma maneira geral, era o Clinton, FHC, Fujimori, Menem e mais alguns que rezavam a mesma cartilha. Depois, Lula, Chávez, Evo e mais meia-dúzia com cara de povo. Ora, acaso? Nem pensar. Há um jogo bem mais interessante que aos olhos da contemporaneidade não podemos compreender.
Ou não?

1.3.09

Bom dia, crise!

Pela madrugada, ar e queda livre das
pálpebras
pensamentos voando
e nada mais.

Depois de quase um mês, pedras voltam a ser arremessadas:
pedras brutas
pedras lascadas
pedras polidas
pedras sobre pedras.

Pedra Barack no sapato
no caminho contrário;
Pedras sambando, pra lá
sambando, pra cá
pedras.

Em meio à crise, carnaval
tudo vai passar pela avenida
nos bailes dos mascarados:
pierrot vestindo arlequim;
colombina à frente da bateria

O otimismo é a esperança cega:
longe da realidade;
imune aos fatos;
perto de peles secas, de bocas vazias e de corpos esquálidos.

4.2.09

Sapo Barbudo Messias do Nascimento de Oliveiras e Silvas

O país sabe e o povo manda. Nunca visto antes um recorde, para um membro da plebe, tão histórico quanto legítimo. Entende-se, com isso, que a parcela que detém o capital, os meios de produção, está exatamente diametralmente oposta àqueles que viviam à míngua, desesperados, em bando. Um bando majoritário. Um bando de vidas secas.

É a real representatividade da vontade do povo. A Matemática, com seus instrumentos Estatísticos, valida idoneamente o pleno desejo geral da nação. É Ciência! É verdade! Oitenta e quatro porcento feliz; oitenta e quatro porcento representados. A isso me alude um belíssima letra e música: "(...) Por isso eu pergunto/À você no mundo/Se é mais inteligente/O livro ou a sabedoria (...)" .



terça-feira, 3 de fevereiro de 2009, 11:07

Aprovação a Lula sobe a 84% e bate novo recorde

BRASÍLIA - As avaliações positivas do governo e a aprovação pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva atingiram, em janeiro, níveis recordes na série histórica da pesquisa CNT/Sensus, divulgada nesta terça-feira, 3. A despeito dos sinais de impacto da crise financeira internacional sobre a economia doméstica, a avaliação positiva do governo subiu de 71,1%, em dezembro, para 72,5% em janeiro. Este é o maior índice da série histórica, superando os 83,6% obtido pelo próprio Lula em janeiro de 2003.

http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,aprovacao-a-lula-sobe-a-84-e-bate-novo-recorde,317513,0.htm