16.9.08

De pedra em pedra...

Sciens Jesus quia venit hora ejus ut transeat ex hoc mundo ad Patrem, cum dilexisset suos qui erant in mundo, in finem dilexit eos.
Quem entrar hoje nesta casa — todo-poderoso e todo amoroso Senhor — quem entrar hoje nesta casa — que é o refúgio último da pobreza e o remédio universal das enfermidades — quem entrar, digo, a visitar-vos nela — como faz todo este concurso da piedade cristã — com muito fundamento pode duvidar se viestes aqui por pródigo, se por enfermo. Destes o céu, destes a terra, destes-vos a vós mesmo, e quem tão prodigamente despendeu quanto era e quanto tinha, não é muito que viesse a parar em um hospital. Quase persuadido estava eu a este pensamento, mas no juízo dos males sempre conjecturou melhor quem presumiu os maiores. Diz o vosso evangelista, Senhor, que a enfermidade vos trouxe a este lugar, e não a prodigalidade. Enfermo diz que estais, e tão enfermo que a vossa mesma ciência vos promete poucas horas de vida, e que por momentos se vem chegando a última: Sciens Jesus quia venit hora ejus (Jo. 13,1). Qual seja esta enfermidade, também o declara o Evangelista. Diz que é de amor, e de amor nosso, e de amor incurável. De amor: cum dilexisset; de amor nosso: suos qui erant in mundo; e de amor incurável e sem remédio: in finem dilexit eos. Este é, enfermo Senhor, e saúde de nossas almas, este é o mal ou o bem de que adoecestes, e o que vos há de tirar a vida. E porque quisera mostrar aos que me ouvem que, devendo-vos tudo pela morte, vos devem ainda mais pela enfermidade, só falarei dela. Acomodando-me pois ao dia, ao lugar e ao Evangelho, sobre as palavras que tomei dele, tratarei quatro coisas, e uma só. Os remédios do amor e o amor sem remédio. Este será, amante divino, com licença de vosso coração, o argumento do meu discurso. Ainda não sabemos de certo se o vosso amor se distingue da vossa graça. Se se não distinguem, peço-vos o vosso amor, sem o qual se não pode falar dele, e se são coisas distintas, por amor do mesmo amor vos peço a vossa graça. Ave Maria.
Os remédios do amor e o amor sem remédio são as quatro coisas, e uma só, de que prometi falar, porque, sendo a enfermidade do amor a que tirou a vida ao Autor da vida, não se pode mostrar que foi amor sem remédio, sem se dizer juntamente quais sejam os remédios do amor. Desta matéria escreveu eruditamente o Galeno do amor humano, nos livros que intitulou De Remedio Amoris, cujos aforismos, porque hão de ser convencidos, entrarão sem texto e sem nome, como quem não vem a autorizar, senão a servir. Os remédios, pois, do amor mais poderosos e eficazes que até agora tem descoberto a natureza, aprovado a experiência e receitado a arte, são estes quatro: o tempo, a ausência, a ingratidão, e, sobretudo, o melhorar de objeto. Todos temos nas palavras que tomei por tema, e tão expressos que não hão mister comento: Cum dilexisset, eis aí o tempo; suos qui erant in mundo, eis aí a ingratidão; ut transeat, eis aí a ausência; ex hoc mundo ad Patrem, eis aí a melhoria do objeto. E com se aplicarem todos estes remédios à enfermidade, todos estes defensivos ao coração, e todos estes contrários ao amor do divino Amante, nem o tempo o diminuiu, nem a ingratidão o esfriou, nem a ausência o enfraqueceu, nem a melhoria do objeto o mudou um ponto: In finem dilexit eos. Estas são as quatro partes do nosso discurso; vamos acreditando amor e desacreditando remédios.
O primeiro remédio que dizíamos é o tempo. Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sabiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão robusto, que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira, embota-lhe as setas, com que já não fere, abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos. Baste por todos os exemplos o do amor de Davi.

Sermão do Mandato, 1643 - Padre Antônio Vieira.

Minhas amadas pedras.

"Água mole, pedra..." Pedra dura, pedra sabão, pedra lascada, pedra no olho e no sapato. São tantas pedras que é possível construir todos caminhos do mundo. Vem dos confins do universo, vem do âmago do poeta, a pedra torna-se um símbolo de rigidez. A rocha do evangelho. O imenso monolito do verdadeiro amor. Pedra. Conglomerado de minerais, com cada um alheio ao ao outro: ciranda de pedra. Nasce homem; morre pedra; transforma-se em pó. Coração vira pedra. A mente vira pedra. O computador vira pedra. Roda ciranda, rodam os homens-de-pedra, numa roda viva ebúrnea de sensações e sentimentos. Ai, que saudade das pedrinhas nas calçadas, das conhas na praia, que jaziam somente. Pegava-se. Chutava-se. E nada mais. Hoje, meu vizinho é pedra, meus irmãos são pedras, meus pais são pedras, meus amigos, pedras. Eu, pedra.
Duros feito pedras.
Pedra
Djavan
Sede de amor
Febre de anseio
Quase a escuridão
Você partiu, me reduziu,
Amor, me perco em lágrimas
Não mais a vi, desde abril,
Fui pro mar E você lá deitada na pedra
Que inveja dessa pedra
O que ficou, eu compreendi,
Face àquela visão
O que era amor inda me diz: Pena que tudo acabe...
Um lance novo me despertou
Desde já, só quero estar
Com quem me serve
E, de resto, serei breve!
Nada fica em pé pra quem se quebra numa paixão
O mundo é vão
E tudo é só um oco absurdo
Não mais me vejo assim
Tô a pé, mas chego onde vou
Revê-la só foi ruim
Porque nada me causou
Doeu, me ressenti
Quando você me desprezou
Mas hoje estou aqui: algo como uma flor na pedra
Preste a nascer