150 anos de evolução
HÁ EXATOS 150 anos, numa saleta da Sociedade Lineana de Londres, um grupo de naturalistas anunciava ao público ali presente os contornos de uma teoria que alteraria para sempre o modo de compreender a origem e a variedade da vida em nosso planeta. Era a teoria da evolução por seleção natural, concebida de forma independente por Charles Darwin e Alfred Russel Wallace.O real alcance dessa idéia -uma das mais importantes do pensamento ocidental-, passou quase despercebido na ocasião. Os próprios naturalistas presentes no evento não pareciam mais interessados nos trabalhos de Wallace e Darwin do que nos outros itens da pauta da reunião, que incluía a leitura de uma carta "sobre a vegetação em Angola" e a descrição de um novo gênero da família das abobrinhas.Os teólogos, porém, não demoraram muito a dar-se conta do tamanho da revolução darwiniana. Pequenas variações entre indivíduos surgidas ao acaso e selecionadas pelo ambiente -os mais aptos tendem a ter mais descendentes, com características parecidas- podem, ao longo de Eras, produzir novas espécies. Todos os seres vivos do planeta, da rainha da Inglaterra ao mais humilde organismo unicelular, possuem um ancestral comum. Deus já não é necessário para explicar a exuberância das formas de vida. A biologia pôde enfim tornar-se uma ciência, que prescinde de causas sobrenaturais.
A idéia é tão perturbadora que mesmo hoje ainda não é bem aceita. É provavelmente a tese científica mais atacada de todos os tempos. Seus detratores tentam desqualificá-la descrevendo-a como "apenas uma teoria", que estaria no mesmo plano epistemológico de "concorrentes" como o design inteligente e o relato bíblico do Gênesis.É claro que tudo em ciência é "apenas" uma teoria -aí incluída a gravitação universal. A evolução, mais ou menos como Darwin e Wallace a postularam, segue firme e produtiva. É capaz de explicar fenômenos como a resistência de bactérias a antibióticos e tem gerado novos e promissores campos de investigação, como a farmacogenética.É uma lástima que, 150 anos após sua primeira exposição, a teoria e os fatos da evolução ainda sejam tão incompreendidos.
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Um comentário:
Teoria de Darwin completa 150 anos
Charles Darwin tinha a teoria da seleção natural quase pronta desde 1838, mas somente em 1º de julho de 1858, ao lado de Alfred Russell Wallace, resolveu apresentá-la. Entretanto, naquele dia, na Sociedade Linneana de Londres, sua tese revolucionária passou despercebida.
"Praticamente ninguém se interessou", explicou Juan Moreno, professor de pesquisa do Conselho Superior de Pesquisas Científicas (CSIC, na sigla em espanhol) no departamento de Ecologia Evolutiva do Museu Nacional de Ciências Naturais. Assim, há 150 anos, esta primeira tomada de contato "teve uma difusão tão pequena como quase todas as publicações científicas atuais". "Os especialistas não estavam nessa onda" e não levaram a sério uma proposta que era "profundamente materialista, antiteológica", algo que rompia com a teologia natural do momento.
Quando estudou em Cambridge, Darwin (1809-1882) também era um crente, mas ao chegar à América Latina no barco Beagle em 1831 e comprovar a diversidade das espécies "viu como a teoria de um desenho divino rachava por todas partes", afirma Moreno. "Sua visão científica e sua aceitação de uma visão materialista da história da vida o transformaram em um agnóstico", disse o especialista.
"O mecanismo da seleção natural era um mecanismo com uma enorme cobertura de sofrimento e morte para muitíssimos organismos. Como podia ser desenhada por um ser benévolo? Na natureza, os organismos estão continuamente buscando recursos e se eliminando uns aos outros", explica o professor.
Por isso, ao chegar à Inglaterra, expor sua teoria requeria uma sólida argumentação. Darwin "queria elaborar um livro muito extenso sobre esta teoria, mas o foi retardando até o ponto que só tinha preparado um breve ensaio, em 1844, que resumia sua teoria e que ele deixou como testamento caso ele morresse", explica. "Não acho que Darwin tivesse medo da recepção. Isso é um mito. Talvez sim nos anos 30 e 40. Sua reticência em publicar era porque muitos eruditos são compulsivos e (ele) queria recolher ainda mais dados", segundo Thomas Glick, historiador e especialista em Darwin.
Em entrevista em Boston, Glick afirmou que "para conceber uma teoria tão sintética, que cobre todo o mundo orgânico, é preciso viajar para muitos lugares e ver muitos organismos", e isso foi o que estendeu sua publicação. "Era mais cautela científica e política do que medo, na verdade", comentou.
Mas em 1858, seu colega Wallace chegou a conclusões muito similares na Malásia e isso antecipou o artigo intitulado "Sobre a tendência das espécies de formarem variedades". "Fez-se este acordo de publicá-lo conjuntamente para que Wallace não tivesse a prioridade", afirma Moreno.
Wallace tinha um enfoque substancialmente diferente. "A idéia da seleção entre indivíduos de uma mesma população é puramente de Darwin. Wallace pensava que era uma questão de que a variedade mais bem-sucedida seria a que suplantaria a outras, por isso que as espécies acabariam se modificando", completou Moreno.
A contribuição fundamental de Darwin era, então, alheia a Wallace, já que para Darwin, autor de A origem das espécies, "a competição existia o tempo todo". Darwin foi o que obteve êxito com seu livro, que foi publicado em novembro de 1859 e esgotou em seu primeiro dia de venda ao público.
Moreno explica que "o que fez com que (a obra) fosse tão impactante foi que apresentava muitíssima informação. Se antecipa aos críticos em muitos casos e apresenta muito bem seus argumentos". Darwin tinha escrito ao botânico Henslow para expressar sua fascinação pelos Andes e, no museu Francisco Mazzoni de Maldonado, no Uruguai, se conserva uma banheira com encosto que, supostamente, utilizou durante dez semanas, de 29 de abril a 8 de julho de 1833.
Darwin, além disso, "embora rara vez se envolvesse politicamente", posicionou-se a favor da abolição de escravos no Brasil. "Escrevia a sua irmã e a pessoas da Nova Inglaterra antes e durante a Guerra Civil. Esperava ver algum dia uma revolução dos negros brasileiros contra os europeus ao estilo da revolução dos escravos no Haiti", lembra Glick.
EFE
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